Evento acontece de 25 a 28/10, em BH, com debate, reunião na ALMG, seminário e sessão de cinema.
A resistência à ditadura militar e as consequências do enfrentamento aos limites e regras impostas serão abordadas entre os dias 25 e 28 de outubro, em Belo Horizonte, durante a Semana Zé – ciclo de eventos sobre a trajetória de José Carlos Novaes da Mata Machado, cujo assassinato completa 50 anos no próximo dia 28.
Líder estudantil na Faculdade de Direito da UFMG, vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e militante da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), Zé foi uma das poucas vítimas da ditadura que pôde ser enterrada pela família após pressão política, jurídica e social, em caso que se tornou emblemático.
A trajetória de Zé já ganhou livro, do jornalista Samarone Lima, e filme, do cineasta Rafael Conde. O caso dele foi exposto no Relatório da Comissão Nacional da Verdade e o nome dele, que batiza uma rua em Belo Horizonte, consta no “Dossiê ditadura: mortos e desaparecidos políticos no Brasil (1964-1985)”, organizado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
Confira a programação da Semana Zé:
25/10 – Bate-papo com a velha guarda da resistência à ditadura militar, às 19h, na Casa do Jornalista (Av. Álvares Cabral, 400 – Centro).
Participantes: Maria do Socorro, a “Graúninha”, que atuou ao lado de Zé na APML; Jô Moraes, ex-deputada federal por Minas Gerais pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B); José Francisco Neres, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e um dos últimos presos políticos libertados pela ditadura militar; e Marco Antônio Meyer, que também foi preso político da ditadura e
ex-militante da Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop).
26/10 – Sessão Especial na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, às 19h, no
Plenário Juscelino Kubitschek (Rua Rodrigues Caldas, 30 – Santo Agostinho).
Reunião Especial aberta ao público e transmitida pela TV ALMG, requerida pela deputada Leninha e endossada por vários outros deputados, destinada a “homenagear José Carlos, em memória dos 50 anos do seu assassinato, ocorrido em virtude de sua luta pela democracia”.
27/10 – Seminário na Faculdade de Direito da UFMG: Justiça de Transição e
Estado Democrático de Direito, às 8h30, na Sala da Congregação.
Coordenado pelos professores Marcelo Cattoni e Júlia Guimarães, contará com a participação da reitora da UFMG, Sandra Regina Goulart de Almeida; do Pró-Reitor Adjunto de Pós-Graduação da UFMG, Eduardo Soares Neves Silva; do diretor da Faculdade de Direito da UFMG, Hermes Vilches Guerrero; e da vice-diretora da mesma faculdade, Mônica Sette Lopes; além do deputado federal Patrus Ananias, do jornalista Samarone Lima (autor do livro ‘Zé – José Carlos Novais da Mata Machado, uma reportagem’) e diversas outras professoras e professores.
28/10 – Exibição do filme Zé, dirigido pelo cineasta Rafael Conde, às 10h30, no Cine Santa Tereza (Rua Estrela do Sul, 89 – Santa Tereza).
Exibido nos festivais de Curitiba e Ouro Preto e no CineBH, o longa-metragem narra os últimos anos da trajetória de Zé Carlos e sua relação com a militância, a esposa, os filhos e demais familiares. Com produção de Samantha Capdeville e roteiro de Anna Flávia Dias e do próprio diretor Rafael Conde, o elenco de Zé conta com artistas como Caio Horowicz, Eduarda Fernandes, Samantha Jones, Rafael Protzner, Yara de Novaes, Gustavo Werneck, entre outros.
Os eventos são gratuitos e abertos ao público, com exceção da exibição do filme, restrita apenas a convidados. Para mais informações, visite o site da Semana Zé: https://semanaze.wordpress.com/
Trajetória de José Carlos Novaes da Mata Machado
Militante da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), José Carlos Novaes da Mata Machado foi torturado e assassinado pela ditadura empresarial-militar, no DOI-Codi de Recife. Sua morte completa 50 anos no dia 28 de outubro de 2023.
Nascido no Rio de Janeiro, em 20 de março de 1946, Zé Carlos se mudou para Belo Horizonte ainda criança com a família. Em 1964, ingressou no curso de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), como primeiro colocado no vestibular.
Além de fundar o Grupo de Alunos da Turma de 1964 (GAT-64), Zé Carlos foi
presidente do Centro Acadêmico e vice-presidente da União Nacional dos
Estudantes (UNE), a partir de 1967.
Preso durante o Congresso da UNE realizado em Ibiúna (SP), em 1968, passou oito meses nas celas do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), de Belo Horizonte.
Dirigente nacional da APML, Zé Carlos se casou, em 1970, com Maria Madalena
Prata Soares, sua companheira de luta na APML, com quem teve um filho, chamado
Dorival, nascido em 1972.
Em outubro de 1973, ciente do risco de captura, Zé Carlos providenciava refúgio quando viajou para São Paulo. Na capital paulista, forneceu apoio jurídico para companheiros da APML e se encontrou com dois cunhados e um amigo da família, que o levariam ao encontro de Madalena, em um sítio, no interior de Minas Gerais.
Porém, os quatro foram presos na saída da cidade, no dia 19 de outubro, em ação planejada pelo delegado Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social.
Zé Carlos foi conduzido para o DOI-Codi de São Paulo. Os demais foram levados
para o 12º Regimento de Infantaria, em Belo Horizonte, onde permaneceram
incomunicáveis por algum tempo.
Em 22 de outubro, Madalena e o filho mais velho, Eduardo, foram presos no sítio onde esperavam por Zé Carlos. Dorival, o mais jovem, filho também de Zé Carlos, vivia aos cuidados dos avós, em Belo Horizonte.
Transferido para o DOI-Codi de Recife, Zé Carlos foi torturado pelos agentes da ditadura empresarial-militar e morto no dia 28 de outubro de 1973.
Com o engajamento da família e a influência política do pai, Edgar Godoy da Mata Machado, o assassinato de Zé Carlos teve repercussão nacional, com a leitura da denúncia na Câmara e no Senado, pelos líderes da oposição, e até na mídia internacional.
A publicização da morte e o trabalho de advogados ajudaram a pressionar para que o corpo pudesse ser transportado para Belo Horizonte. O enterro ocorreu no dia 15 de novembro.
A versão oficial da ditadura empresarial-militar, veiculada em jornais da época, dava conta que a morte teria ocorrido em um tiroteio provocado por um colega de militância. O objetivo era encobrir os assassinatos de Zé Carlos e Gildo Lacerda, além do desaparecimento de Paulo Stuart Wright. A farsa ficou conhecida como “Teatro de Caxangá”, em referência à avenida de Recife.
Depoimentos de diversos ex-presos políticos desconstroem o “Teatro de Caxangá” e confirmam as torturas sofridas por Zé Carlos e Gildo e também seus assassinatos.
As tentativas de avançar com um inquérito para apurar a morte de Zé Carlos, tanto em Minas Gerais quanto em Pernambuco, falharam. Quase 20 anos após a morte de Zé Carlos, em dezembro de 1992, seu cunhado Gilberto Prata Soares, que militou na mesma organização, declarou à Comissão Parlamentar Externa sobre Mortos e Desaparecidos Políticos ter colaborado com o Centro de Informações do Exército (CIE), dando informações sobre militantes da APML.
Zé Carlos e Madalena estavam sendo rastreados desde março de 1973. José Carlos Novaes da Mata Machado foi reconhecido como morto político pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), em janeiro de 1996.
Seu caso foi exposto no Relatório da Comissão Nacional da Verdade e seu nome
consta no ‘Dossiê ditadura: mortos e desaparecidos políticos no Brasil (1964-1985)’, organizado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
O nome de José Carlos Mata Machado foi dado a uma rua no bairro das Indústrias, em Belo Horizonte, cuja antiga denominação homenageava Dan Mitrione, torturador estadunidense que colaborou com a ditadura empresarial-militar no Brasil.
Na Faculdade de Direito da UFMG, onde Zé Carlos estudou, o espaço social de
auto-organização dos estudantes tem o nome de Território Livre José Carlos Mata Machado. Há também uma medalha concedida pelo Centro Acadêmico da Faculdade de Direito e uma sala na reitoria da UFMG que levam seu nome.