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Carlos Siqueira
Presidente do PSB diz que migração de políticos eleitos como oposição para o governo é deformação do sistema
O estranho não é o governo fazer mudanças no seu ministério. Estranho é a oposição fazer parte do governo independente de quem está no poder. Isso tem acontecido nos últimos anos e é uma deformação na política brasileira, no entendimento do presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira. Um dos resultados dessa deformação, no seu entendi[1]mento, é o que vem acontecendo na política brasileira, inclusive com a eleição de Jair Bolsonaro.
O PSB está satisfeito com o governo lula após essas mudanças?
O PSB participou desde a montagem da chapa, oferecendo o vice-presidente, que é figura excepcional, que colaborou muito na campanha, na transição que ele coordenou e, também, agora no governo. Temos mais dois quadros muito bons também, o Márcio França, que foi ministro dos Portos e Aeroportos, e o ministro da Justiça, Flávio Dino, que também tem feito um trabalho excelente. Não vejo muita razão para movê-los de algum lugar, porque eles estão dando certo e em time que está dando certo não se mexe. Mas é um direito do presidente fazer a mudança. Nós não estamos magoados. Nós estamos querendo contribuir para aquele governo que ajudamos a construir. Isso não quer dizer que nós não tenhamos visões diferentes sobre essa questão e não é porque o PSB foi movido de um lugar para outro, por outras razões.
Seria a participação do centrão no governo?
Eu tenho minhas restrições. Não é o Centrão. Tem pessoas do Centrão com quem eu me dou muito bem. Acho que em uma democracia, em todas elas, exceto a nossa, quem decide sobre os políticos que vão para o Poder, que vão assumir o Poder e os que vão para a oposição, é o eleitor e não os próprios políticos. Isso acontece aqui nos nossos vizinhos desde o Paraguai, ao Chile, Uruguai, Argentina. Você não pode imaginar o Miley ganhando o governo na Argentina e os peronistas no governo dele. Isso não vai acontecer. Você não pode imaginar no Chile o Partido Socialista ganhando as eleições e os herdeiros de Pinochet fazendo parte do governo do Partido Socialista e vice-versa. E assim se reproduz em toda a América do Sul. Falo da América do Sul para não falar da Europa, das democracias mais consolidadas, e dos Estados Unidos, porque aí é absolutamente impensável essa deformação. Considero uma deformação, por[1]que estamos perdendo qualidade com esse excesso de partidos que existem no Brasil e acumulando essas deformações. Um dos resultados é o Bolsonaro, em um momento em que a população estava com uma visão muito crítica sobre tudo isso e resolveu fazer uma aposta diferente, que foi uma aposta erradíssima, a meu ver.
Lamento, tenho todo o respeito pelos adversários, mas, a meu ver, não foi uma boa aposta de mudança porque ela ameaçou a própria democracia, que apenas foi tirada da UTI e está no quarto, e nós precisamos salvá-la, mas mudando a sua qualidade, que de[1]pende da atuação coletiva através dos seus agentes políticos. Essa prática de o eleitor colocar o político na oposição e ele ir para o governo não é educativa, não é pedagógica no sentido de formar cidadãos que confiem nas instituições partidárias.
Onde que está o erro? é no processo político brasileiro?
O problema é que os vícios se acumulam. Foi se criando o vício de que praticamente ninguém quer ser oposição. Onde está a meu ver o engano do governo, ao fazer essa reforma incluindo dois partidos, cujos presidentes nacionais dizem, em alto e bom som, em letras maiúsculas garrafais, que os seus partidos não são governistas? Ora, se os partidos não são governistas e assumem ministérios, significa dizer que tem uma parcela desses deputa[1]dos que apoiam o governo independentemente de ter ou não ter ministério. Mesmo porque já estamos há sete meses de governo, o presidente Lula fez até mudança na Constituição, que precisava apenas de 308 votos e teve quase 400. Já apresentou vários projetos importantes, inclusive na área econômica, como a reforma fiscal, que foi aprovada com sobra de votos. Por um lado, governo precisa ter é oposição e fiscalização. Isto é bom para a sociedade e é bom para o próprio governo, que se autocorrige quando quer fazer.
Muitos acreditam que o governo está refém do centrão. é isso que está acontecendo?
O governo tem limitações que não tinha há 21 anos. Ele não tem a força daquela liderança que tinha, com uma vitória expressiva na eleição, que não aconteceu agora e em uma conjuntura política e econômica distinta. Até agora, o governo não sofreu derrota no Congresso. Então não está refém ou eles estão exercendo a influência que eles têm, mas estão apoiando o governo. Na prática, o governo nunca sofreu uma derrota para dizer que precisa ampliar a base. Esses deputados que apoiam o governo continuarão apoiando, independentemente de ministério e, sim, por outras razões.
Quais seriam essas razões?
Esses deputados que já apoiam o governo, desde o seu primeiro dia que têm votado com o governo, mesmo tendo apoiado o Bolsonaro, continuam apoiando por uma razão muito simples: eles não sabem, há muito tempo, fazer oposição. Eles querem ser governo seja lá qual for. Eles foram governo com Lula e Dilma, Temer e Bolsonaro, e continuarão sendo governo, o que reflete a deformação a que eu me refiro do sistema político brasileiro, que precisaria ter menos partidos, precisaria ter um sistema mais bem definido de direita e esquerda, centro, centro-esquerda, centro-direita, com quatro, cinco ou seis partidos, no máximo. Isso não aconteceu e se acontecer será em um momento difícil politicamente, com o desgaste das práticas ao longo desses últimos 20 anos.
O presidente da câmara, arthur lira, tem reclamado da articulação política do governo. o governo está falhando nessa área?
Acho que o governo, que aprovou tantos projetos, não pode estar cometendo tantas falhas quanto é acusado de ter cometido porque, se não tem nenhum projeto que tenha sido rejeitado, a não ser o de um decreto que o governo tenha emitido, absolutamente irrelevante, não tem por que reclamar do Congresso. E isso não quer dizer que não tenha maioria, porque já tem desde o primeiro dia. Se a articulação política falhasse tanto, teriam der[1]rotas que não aconteceram. Analisando até hoje, diria que o governo está dando muito certo. Até mesmo o Haddad, que sofreu tanta desconfiança do sistema empresarial e financeiro, tem sido uma surpresa agradável. Tem implementado políticas possíveis na área da economia para melhorar e, então, tem uma articulação política muito boa.
A câmara federal, especificamente, está com muitos poderes como tem sido dito?
A Câmara federal tem suas competências e tem que exercê-las. A Câmara não é um anexo dos ministérios ou do Planalto. Nem a Câmara, nem o Senado. São duas Casas que representam o único Poder e que precisam exercê-lo. O importante é fazer as leis, aprovar o orçamento e cabe a oposição fiscalizar o governo e os governistas, dar maioria ao presidente da República. Se ela exerce com maior intensidade é porque está exercendo suas prerrogativas. Às vezes extrapola, porque nós temos um processo novo, é bom realçar, que é a execução do orçamento da União, uma parte dele que não é tão inexpressiva, que o poder Legislativo está executando. Acho que extrapolou um pouco das suas atribuições. Mas isso foi permitido pelos presidentes anteriores e está sendo aceito pelo presidente atual. O governo não se opôs a isso.
Não se opôs inclusive ao orçamento secreto?
O chamado orçamento secreto é reflexo disso, mas ele se transformou em num processo de emenda e vai para cada deputado, dependendo do estado, da região, vai R$ 50 milhões por ano, que não é pouca coisa.