Cultura

Testemunhas da resistência

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Obras expostas mostram a complexidade de uma era de transgressões

Fotos:Divulgação

 

Exposição no Museu Inimá de Paula revela o legado cultural e político de artistas brasileiros durante os anos de chumbo

 

             Até 18 de agosto, o Museu Inimá De Paula expõe mais de 300 pinturas, desenhos, fotografias e esculturas que lançam luz sobre o período da ditadura militar brasileira. Mais que revelar a expressão artística da época, a mostra Política e Vanguarda (1964/85) na coleção Lili e João Avelar, abrange testemunhos vívidos das complexidades sociais, políticas e estéticas, em uma era de contestação, transgressão e experimentação de novos conceitos.

             O acervo integra uma das coleções mais importantes do país, focada na segunda metade do século 20, que já teve obras expostas em instituições como os museus de arte da Filadélfia e de Dallas e o Walker Art Center, em Minneapolis; além do Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, com a mostra AI 5 50 anos – Ainda não terminou de acabar, em 2018. “Mas essa é a primeira vez que o conjunto é exibido ao público em um número de obras tão considerável”, sinaliza o colecionador João Avelar, que assina a curadoria.

             Distribuída de forma cronológica em três andares, a exposição no Inimá de Paula documenta a ruptura das formas artísticas tradicionais, que marca, sobretudo, as décadas de 1960 e 1970. “A experiência de vanguarda é exemplificada, com destaque especial, por meio do artista Décio Noviello”, relata Avelar. Mineiro de São Gonçalo do Sapucaí, ele é relembrado por meio de pinturas, gravuras, desenhos, fotografias e vídeos, incluindo o registro da histórica exposição Do Corpo à Terra, realizada na Belo Horizonte de 1970: o então capitão do Exército utilizou granadas de uso exclusivo das Forças Armadas, para “pintar” o Parque Municipal e o Palácio das Artes.

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Obras de Lótus Lobo (sem título); Lute Censurado, de Paulo Bruscky e Altar, de Carlos Vergara

              Outro destaque é a presença feminina, com obras de artistas como Anna Bella Geiger, Claudia Andujar, Letícia Parente, Lygia Pape e Mira Schendel, bem como a belo-horizontina Lótus Lobo. Além de desafiar as convenções artísticas da época, elas exploram questões de gênero, identidade e poder por meio de suas criações, trazendo à tona temas e perspectivas muitas vezes negligenciados: são muito relevantes, por exemplo, as obras de Wanda Pimentel, da série Envolvimentos (1968-1984). Vale ressaltar também O presente (1967), de Cybèle Varela, alvo de censura e removida da Bienal de 1967, por ordem da Polícia Federal, antes mesmo da abertura do evento, por ser considerada provocativa às autoridades.

              A exposição também apresenta obras de artis[1]tas detidos por motivos políticos. Dentre eles, 30 desenhos de Carlos Zílio e 2 desenhos de Sérgio Sister. “Os registros remetem a um período em que ambos estavam encarcerados, entre 1970 e 1971, no Rio de Janeiro e em São Paulo”, conta Avelar. A aura de violência e opressão encontra eco nas criações de Artur Barrio, Antônio Henrique Amaral, Cildo Meireles e Gabriel Borba Filho, entre outros – percebe-se, em Homenagem ao Século 20, (1967), de Antônio Henrique Amaral, que os símbolos nacionais já eram disputados pelas narrativas, uma contraposição entre o nacionalismo militar e a concepção democrática de nação. Nesse sentido, destacam-se ainda os trabalhos de Glauco Rodrigues, Luiz Alphonsus e Samuel Szpigel, que dialogam com a resistência dos artistas ao imperialismo dos Estados Unidos.

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              Mas o Brasil sempre foi antropofágico. Desenvolvido nos anos 1960, no Rio, com influência da pop art, o grupo conhecido como Nova Figuração marca presença por meio de nomes como Antônio Dias, Rubens Gerchman, Carlos Vergara, Roberto Magalhães e Pedro Escosteguy. “O movimento adquire aqui um outro viés, comparado à Pop Art dos Estados Unidos. É uma arte engajada politicamente, que contesta o sistema, o que não aconteceu lá fora. Entre elas, podemos citar La Morte de Black Hawk (1967), de Antônio Dias; e o Corpo Estranho (1965), de Pedro Escosteguy, também conhecida como Dizer”, aponta João Avelar.

              Em São Paulo, durante o mesmo período, alguns artistas que anteriormente haviam se destacado no concretismo migraram para experimentações figurativas, dentre eles, Geraldo de Barros, Judith Lauand, Maurício Nogueira Lima e Waldemar Cordeiro. “A obra Popcreto para um Popcrítico (1964), de Waldemar Cordeiro, é certamente uma das peças de maior destaque da exposição”, salienta Avelar. Vêm ainda da capital paulista os trabalhos de Cláudio Tozzi, Nelson Leirner, Marcello Nitsche e Samuel Szpigel, que apresentam críticas sociais por meio de uma abordagem irreverente. “Esses artistas introduziram no cenário das artes visuais referências a imagens cotidianas e ao kitsch, incorporando o que Hélio Oiticica chamou de ‘linguagem pop híbrida’”, contextualiza Avelar.

 

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