Piracema é resultado de trabalho combinado de dois coreógrafos
Grupo Corpo comemora aniversário com estreia de Piracema, balé criado com metodologia inédita
Da fundação da companhia, na casa dos pais dos irmãos Pederneiras, em 1975, lá se vão 50 anos. E, para marcar essa data tão significativa para uma companhia de dança brasileira, o Grupo Corpo escolheu Piracema, novo espetáculo que acaba de estrear em São Paulo e fará temporada em Belo Horizonte, de 27 a 31 de agosto, no Palácio das Artes. Parabelo, de 1997, com música de Tom Zé e Zé Miguel Wisnik, completa o programa.
A escolha do fenômeno da piracema, quando o peixe supera a força da corrente e muitos obstáculos para recomeçar o ciclo da vida, simboliza a trajetória do grupo, movido pelo irresistível desejo de criar e resistir. Para criar Piracema, o Corpo construiu uma metodologia inédita e desafiadora: Rodrigo Pederneiras, coreógrafo da companhia desde 1981, e Cassi Abranches, que passa a ser coreógrafa residente, partiram da proposta do diretor artístico Paulo Pederneiras.
Os bailarinos foram divididos em dois grupos de 11 artistas, cada um trabalhando com um dos dois coreógrafos, de forma independente. Ao final, as duas versões foram combinadas para chegar ao que veremos no palco. “Nossas duas visões se completam. Foi uma experiência riquíssima”, conta Rodrigo Pederneiras. “Cassi (que foi bailarina do grupo) é nossa cria, domina a linguagem e, ao mesmo tempo, traz novos elementos, sua bagagem internacional, os dez anos em que evoluiu em outros cenários”, complementa.
“Deu um frio na barriga, mas topamos a proposta do Paulo e a dança cumpriu seu papel integrador”, explica Cassi. Em 13 de junho, os dois grupos assistiram o trabalho um do outro e os coreógrafos passaram a reunir as concepções. “Nesse momento, foi uma emoção, choro, alegria”, lembra Paulo Pederneiras. O balé Piracema tem música de Clarice Assad, primeira mulher a compor uma trilha para a companhia. A cenografia, de Paulo Pederneiras, traz um material inusitado: ele recobriu o fundo e as pernas do cenário com 82 mil tampas de latas de sardinha.
“Montamos numa rede as tampas metálicas e a imagem de escamas se projeta”, explicou. Paulo assina também a iluminação ao lado de Gabriel Pederneiras, diretor técnico do grupo. A criação dos figurinos ficou a cargo da dupla de designers Alva, os irmãos Susana Bastos, artista e estilista, e Marcelo Alvarenga, arquiteto. É a primeira vez que os dois criam para a dança. “De acordo com a atmosfera da música e o desenvolvimento do balé, trabalhamos com os conceitos de natureza e tecnologia, ora em conflito, ora em harmonia”, explica Marcelo, que trabalhou como arquiteto com Freusa Zechmeister, que assinou os figurinos do grupo de 1981 a 2022 e morreu no ano passado. Comemorar 50 anos é uma conquista e tanto para a mais importante companhia de dança contemporânea do país.
“Éramos presunçosos. Quando nossos pais cederam a casa em que morávamos, em Belo Horizonte, para que se tornas se a sede da companhia, achávamos que ia dar certo”, pontua Paulo Pederneiras. O primeiro sucesso não demorou: foi Maria Maria, com música original de Milton Nascimento, roteiro de Fernando Brant e coreografia de Oscar Araiz, que estreou em 1976. O espetáculo ficou 10 anos em cartaz e garantiu ao grupo mineiro projeção nacional e, apenas três anos após a fundação, a inauguração de uma sede própria. Nos anos seguintes, o Corpo construiu uma linguagem original e marcante, sempre primando pela excelência dos bailarinos e um vocabulário coreográfico cheio de poesia, que trafegou da música clássica aos ritmos populares, com músicas originais encomendadas a duas dezenas de compositores. Uma companhia construída com cuidado e muita qualidade, que resultaram em 43 obras criadas e montadas, apresentadas em 216 cidades de 41 países, além do Brasil. Uma companhia que traduz, em cada movimento, a brasilidade em sua forma mais profunda.