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Entrevista com o ex-presidente José Sarney
Considerado uma unanimidade na política brasileira, o ex-presidente José Sarney completou 93 anos do jeito que mais gosta: recebendo políticos, falando sobre política e do seu tema predileto atualmente: a literatura. Discreto, evita fazer declarações polêmicas, mas não nega receber políticos para conversar e dar conselhos, como fez recentemente com o presidente Lula. Sarney presidiu o país de 1985 a 1990, o primeiro presidente após mais de 20 anos de ditadura militar. Ele era vice de Tancredo Neves, que morreu antes de assumir o cargo. Foi em um clima de comoção que ele iniciou uma nova fase na política brasileira, que reabriu as portas para a democracia. Um caminho que se pavimentou com dois presidentes afastados por um processo de impeachment e uma luta governo a governo para colocar a economia nos trilhos.
Foram momentos de hiperinflação e do surgimento de movimentos como o das donas de casa, que viraram “o exército de Sarney”, com suas pranchetas fazendo levantamento dos preços nos supermercados para denunciar os abusos. Hoje, com o movimento da extrema direita defendendo a volta de militares ao Poder, o ex-presidente José Sarney não tem dúvida quando perguntado se ele se sente mais feliz na política ou no universo literário. Mas avisa que o modelo atual da democracia pode estar desgastado em todo o mundo, mas continua sendo o melhor. Membro da Academia Brasileira de Letras desde 1980, quando passou a ocupar a cadeira de número 38, o ex-presidente tem dedicado seu tempo a escrever e entre Brasília e o Maranhão, onde passa a maior parte do seu tempo, o ex-presidente José Sarney respondeu as perguntas da Viver Brasil, mostrando que está atento ao que está acontecendo, mesmo evitando se alongar muito, nesses tempos em que a palavra vira arma.
O senhor é romancista e poeta, da Academia Brasileira de Letras, com vários livros publicados, como “Vinte anos de Democracia” e “Os Maribondos de Fogo”. Foi presidente da República e senador. O que é mais prazeroso: a política ou a literatura?
A literatura, sem dúvida.
A internet tem afastado as novas gerações da leitura. Muitos confessam nunca terem sequer lido um livro. Como resgatar o gosto pela leitura nos estudantes na era digital?
Não há mágica: o único caminho é a educação. O gosto vem com o hábito.
O senhor presidiu o país em um momento conturbado, com o processo de redemocratização. De lá para cá, que avanços ocorreram no país?
A democracia e o Estado de Direito se solidificaram; houve grande progresso material. Ao mesmo tempo ainda temos grandes dívidas sociais.
O senhor assumiu em um momento em que o país convivia com a hiperinflação e muitos problemas, que parecem estar voltando. A inflação é um problema de difícil solução?
É um problema grave e complexo, mas o foco do Estado é o homem.
O senhor sempre fez política “ao pé do ouvido”, conversando muito e dialogando. Agora os políticos conversam pelas redes sociais, trocando mensagens. A velha forma de fazer política acabou?
Não, nem acabará. A interação direta entre as pessoas é essencial não só nas relações humanas como na vida política.
A democracia brasileira tem passado por muitos tropeços. As instituições têm se mostrado fortes para evitar um golpe?
Sim, já passamos por enormes dificuldades e o País continua uma democracia sob a mesma Constituição de 1988.
Esse não é um problema só no Brasil. A democracia está em crise em várias partes do mundo, com o avanço da extrema direita. Esse modelo de democracia está desgastado?
O modelo está degastado, mas ainda continua sendo a melhor solução entre todas as outras.
O modelo de presidencialismo adotado no Brasil já se esgotou? Muitos defendem o semi-presidencialismo, em um modelo semelhante ao adotado em Portugal no Brasil. O senhor acha possível adotar esse sistema no Brasil?
Defendo há muitos anos o parlamentarismo. Ele é essencial para debelarmos os conflitos políticos antes que virem crises graves.
Movimentos como o de 8 de janeiro assustam?
Muito. A agressão às instituições é um crime gravíssimo.
O senhor sempre foi um homem de partido e viveu uma época do bipartidarismo e da explosão de legendas, como agora, com mais de 30 partidos registrados. O que é mais saudável para o país?
A camisa de força não é solução, mas os partidos devem ser muito poucos, de maneira a haver maiorias partidárias e alternância efetiva de poder.
O senhor está trabalhando em algum projeto literário no momento?
Sim, estou escrevendo um livro sobre minha visão dos problemas brasileiros.
Como o senhor enfrentou a pandemia da Covid-19?
Obedeci a meus médicos: fiz quarentena e tomei todas as vacinas.
O que o senhor mais admira em Minas Gerais e no povo mineiro?
Seu exemplo de conciliação, de serenidade, de amor à liberdade.