Política

Momento de absoluta paz

vb ed280 junho 24 capa momento de absoluta paz

Entrevista:José Múcio Monteiro

Foto:Milene Marques

 

Ministro da Defesa diz que Forças Armadas estão pacificadas e que é preciso dar mais responsabilidade ao Congresso, que já tem muito poder

 

           Ocupando um dos ministérios considerados como de escolha pessoal do presidente Lula, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, passou por um grande teste no início do terceiro mandato do petista, com a invasão dos prédios dos Três Poderes, em Brasília. Muitos petistas pressionaram por sua saída, como uma espécie de punição pelo fato de ele ter votado, quando ministro do Tribunal de Contas da União, pela rejeição das contas da ex-presidente Dilma Rousseff. A decisão foi usada como munição para o seu processo de impeachment. O bom relacionamento do ministro com o presidente e com o Congresso Nacional, garantiu a sua permanência no governo. As turbulências do início, provocadas pelo radicalismo político e pela tentativa de golpe passaram. Agora, segundo José Múcio, o momento é de tranquilidade. Ele falou com a Viver Brasil durante o Conexão Empresarial, em Araxá.

 O senhor já foi deputado federal, foi do tribunal de contas da união, prefeito, secretário do estado, já esteve de todos os lados. qual o período mais difícil do brasil nesse tempo todo?

          É fácil na minha idade, o currículo ser grande por conta do tempo. Eu acho que nós estamos vivendo um momento de muita radicalização. E acho que as eleições hoje vivem no presente, como se elas não se findassem, como se não aceitássemos os resultados. Acho que a nossa democracia é a vontade da maioria. Se é por 50%, se 10 por 15, por 1,5% , é esse o resultado. O Brasil hoje em dia está muito dividido. Isso atrapalha muito.

Quando começou isso? quando o brasil se dividiu?

         Toda eleição traz um lado positivo, mesmo você perdendo. Fomentaram muito na cabeça das pessoas que a eleição foi burlada, que as urnas não eram seguras, que os resultados não eram honestos, de maneira que houve um interesse daqueles que não venceram as eleições, de estimular a discórdia.

O senhor assumiu num momento extremamente difícil para a política e para a democracia brasileira. a invasão dos prédios dos três poderes trouxe insegurança, inclusive em relação à participação dos militares?

          O grande problema nosso foi porque, naquele momento, a esquerda achou que os militares, as Forças Armadas tinham estimulado aquilo, e a direita ficou com muita raiva, porque as Forças Armadas não deram um golpe. Então, nós passamos um período onde eram todos desafetos. Os que achavam que aquilo foi uma criação das Forças Armadas e os outros, que acharam que as Forças Armadas não aproveitaram e não deram o golpe. Mas isso passou. Nós estamos vivendo um momento de absoluta paz. As Forças Armadas absolutamente pacificadas. Eu estou com todos os comandantes todos os dias. É uma relação de absoluta confiança, deles com o presidente e do presidente com eles.

Essa tentativa dos militares de chegar ao poder é preocupante? Vimos as manifestações em frente ao exército em vários pontos do país.

         Os militares não têm desejo de chegar ao poder. Isso é uma grande ilusão. Em um time de futebol, você tem 11 jogadores e um é indisciplinado, às vezes dois. Eles são afastados e o jogo continua. Eu estaria mentindo se dissesse que acreditava que todos tinham votado numa pessoa só. Lá tem gente de todos os lados, mas o importante é que se respeite a Constituição, que sejam legalistas e a lei diz que o comandante supremo é o presidente da República, seja lá quem estiver no poder.

Esse terceiro mandato do presidente Lula está sendo muito diferente dos dois primeiros, devido ao fato de o congresso nacional ter mais poderes?

          O governo passado, até para arrumar uma forma de governar mais simples, ele deu ao Congresso mais poder do que o Congresso tinha, mais do que estava acostumado. O Congresso hoje tem muito poder, mas não foi dada uma responsabilidade proporcional. A responsabilidade ficou com o Poder Executivo. Isso vai ter que se adequar, isso vai ter que se arrumar, isso vai ter que encontrar uma forma, porque do jeito que está é muito difícil trabalhar.

Estamos em um semipresidencialismo capenga?

         Nós vivemos no semipresidencialismo, pois é o Congresso que decide, mas não temos um primeiro-ministro oficialmente. Hoje eu sou a favor de dar ao Congresso exatamente isso, responsabilidade. E a responsabilidade é porque, já que tem o poder do dinheiro, que tenha também o poder da gestão.

E que gestão caberia ao congresso?

         Nós optamos pela República lá atrás. Não somos parlamentaristas. Então, é encontrar o caminho que a França encontrou, que Portugal encontrou. Talvez o semipresidencialismo, que já se fala nele tanto por aí.

Acabar com a reeleição é um caminho de arrumar a casa?

         Eu acho que a gente precisa sentar e discutir. Reforma política é um pouco feito paraíso. A gente todo domingo vai à missa, pede para ir pro céu, mas não quer que marque a data. Então a gente fica dizendo que precisa, precisa, precisa e com a reforma tributária é a mesma coisa. Tem algumas reformas que as pessoas desejam que chegue, mas não querem que chegue o dia. Eu acho que precisamos encontrar uma fórmula para que o Brasil siga o seu destino. Hoje você tem os poderes se misturando. Ficou o Legislativo com muito poder e pouca responsabilidade. O Executivo hoje tem responsabilidade demais e poder de menos, porque uma parte foi para o Congresso e aí fica o poder Judiciário, ora legislando, ora fazendo o papel que não é dele.

As eleições todas ao mesmo tempo também, como está se tentando, poderiam ser uma forma de acabar com a bagunça que virou o processo eleitoral?

         Tem gente que defende essa tese. Eu não sei se é isso. Eu acho que a eleição oxigena. Evidentemente, com uma eleição atrás da outra, você ainda está discutindo algo que passou e você já começa a ir para outra. Podia até a do presidente da República ser separada completamente, para mostrar que ele está acima de tudo e o resto tudo junto. Seria um caminho.

Muitos petistas acham que o senhor foi uma espécie de algoz da ex-presidente Dilma. o fato do senhor ter reprovado as contas dela no tribunal de contas da união teria viabilizado o impeachment. como está essa relação?

          Olha, eu não fui um algoz. Eu tenho uma relação muito boa com o PT. Evidentemente que tentaram fazer isso. Eu não fui o relator. Eu fui um dos ministros que também teve que votar. Nós não sabíamos que estávamos sendo instrumentalizados e que aquele resultado teria um uso político. Naquele momento, havia mais de 10 contas votadas pelo Tribunal de Contas na prateleira do Congresso Nacional, aí pegaram essa última que chegou e deram uma condução política. Eu não fui algoz porque eu votei como todos. Foi uma votação por unanimidade. Votei um parecer da unidade técnica que indicou irregularidades. Nós não imaginávamos que essas irregularidades, que preservaram alguns presidentes, seriam o suficiente para tirar a presidente de lá.

Vimos nas últimas eleições a radicalização entre petistas e bolsonaristas. como quebrar essa polarização?

          Nós hoje só temos dois partidos no Brasil, os contra e os a favor. Acho até que nós só temos contra. São dois tipos de construção: os que são contra Lula e que estão com o Bolsonaro, e os que são contra Bolsonaro e que estão com Lula. Nós precisamos procurar os que são a favor do Brasil.

Por que que é tão difícil ter novas lideranças que atendam as demandas que o país precisa?

         Essa radicalização inibiu algumas pessoas. Algumas pessoas que são mais da paz e da concórdia, o que significa dizer que você cede uma parte. O acordo é isso, você cede uma parte, o outro cede uma parte. Se nós ficarmos procurando só quem venceu, nós nunca vamos chegar a um acordo. Os vencedores têm que ser todos.

Nesses anos todos em que senhor atua na política, o brasil regrediu politicamente?

          Olha, pode até parecer que está pior, mas nós avançamos. A nossa democracia está consolidada porque nós passamos por isso tudo e a democracia está preservada. No passado havia uma ameaça, qualquer coisa, vinha um golpe, os militares começavam a se mexer. Hoje, isso não existe. Vivemos numa paz, evidentemente que se faz, mas política todo dia do que eles faziam no passado. No passado, nós discutíamos as eleições, as teses, os temas. Hoje a gente fica procurando essa briga para ver quem é o vencedor e quem é o derrotado.

Ser ministro agora está mais fácil do que no início do mandato?

         Agora, muito mais. Você não pode imaginar. Um dos anos mais difíceis de minha vida foi 2023. Primeiro, eu não queria voltar para a política. Voltei porque sou amigo do presidente. Acredito nele, acredito nas ideias dele. Se as ideias dele forem todas materializadas, nós vamos ser um país mais justo. A gente precisa lembrar que, muitas vezes, pensamos que a política é feita para os ricos. Mas a maioria dos brasileiros é de pobres. John Kennedy disse uma frase uma vez, que eu gosto muito de repetir: “ai dos poucos que têm, se não se lembrarem, dos muitos que não têm”. São muitos que não têm no Brasil que são vítimas desse desacerto da política.

Compartilhe