Estilo de Vida

A Arte de viver melhor

A arte de viver melhor

Luiz Carlos Jr.: ”técnicas de transformação de comportamentos para viver melhor”

Foto:Divulgação

 

Nova abordagem médica, a Medicina do Estilo de Vida promete prevenir doenças, promover o bem-estar e transformar a saúde de forma duradoura

 

                 Uma abordagem se saúde inovadora, mas que, ao mesmo tempo, valoriza hábitos comprovadamente benéficos para corpo e mente, na tarefa de prevenir e curar doenças. Esta é a Medicina do Estilo de Vida (MEV), conceito que começa a ganhar corpo e mais adeptos no Brasil. Estabelecida na Universidade de Harvard, em 2004, a MEV defende a tese de que as enfermidades se manifestam quando a rotina vai de encontro às exigências do corpo. Segundo a disciplina, o resguardo e a reversão deste quadro se dão por meio de hábitos simples, como aumentar a ingestão de vegetais, dormir bem, exercitar-se regularmente e desenvolver um olhar otimista para a existência. Ou seja, prega a promoção do bem-estar geral por meio de velhas e boas práticas, incorporadas ao lifestyle.

               “A Medicina do Estilo de Vida tem com princípio básico utilizar técnicas de mudança de comportamento em saúde junto ao atendimento do paciente para ajudá-lo a fazer melhores escolhas. São decisões que contribuem para a prevenção e o tratamento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e câncer”, afirma o psiquiatra mineiro Luiz Carlos Jr., um dos precursores desta abordagem no país. Ele é cofundador da MEV Brasil, com sede em Uberlândia, no Tri[1]ângulo Mineiro, instituição de educação que já formou mais de 500 profissionais, no período de cinco anos, por meio de cursos, seminários e congressos. “Nas formações, os alunos aprendem os princípios da MEV e suas metodologias específicas, desenvolvendo competências clínicas para aplicá-la em sua especialidade de origem”, descreve ele.

              De abordagem transversal, a MEV busca abranger todos as vertentes da saúde, mas não é uma especialidade – não é, portanto, reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina(CFM).

Viviane Barroso: MEV é “ciência da mudança”

               Em vez de fazer uma residência, o profissional se capacita na área como um complemento, colocando em prática as pesquisas científicas sobre o estilo de vida saudável e seus impactos na prevenção e no prognóstico de patologias. “O que a MEV faz é instrumentalizar os profissionais de saúde com técnicas eficazes de transformação de comportamento necessárias para viver melhor”, explica o médico.

               Todas as áreas de atuação médica, em alguma medida, podem dominar e utilizar os conhecimentos da MEV, especialmente aquelas que relacionam mudanças de hábitos à melhora da qualidade de vida e prevenção de doenças crônicas, como cardiologia, oncologia e endocrinologia. “Um médico que utiliza essa abordagem o faz dentro da sua própria rotina de atendimento. A diferença é que ele investiga mais cuidadosamente os pilares do estilo de vida e faz intervenções específicas além do uso de medicação, ajudando o paciente a planejar e implementar intervenções em sua rotina”, diz Carlos Jr.

A arte de viver melhor
Lívia Salomé: melhorar a qualidade
de vida dos pacientes

 

               A disciplina também abraça profissionais de saúde não médicos, como enfermeiros, psicólogos e nutricionistas. É o caso da enfermeira obstetra Viviane Barroso, de Belo Horizonte, que carrega no currículo três capacitações pela MEV Brasil. “A Medicina do Estilo de Vida é o que podemos chamar de ‘ciência da mudança’, considerando o cuidado baseado em evidências científicas para a promoção de saúde e bem-estar”, define ela. Essas evidências são integradas por seis pilares, que envolvem o apoio a criação de novos hábitos. A rigor, são eles: alimentação predominantemente integral e à base de plantas; atividade física regular, sono de qualidade, controle do estresse, desenvolvimento de relacionamentos saudáveis e abstenção de substâncias tóxicas, como cigarro e álcool.

               A consulta ou atendimento podem assumir diferentes contornos, a depender da especialidade do profissional e do objetivo. Mas, de forma geral, a MEV valoriza a escuta qualificada, os exercícios de autoconhecimento e o traçado de metas conjuntas, sempre respeitando a autonomia do paciente e o real desejo para abandonar ou iniciar algum hábito. “Os encontros visam conduzir o paciente do ponto onde está para o ponto desejado. Existem ferramentas que ajudam nesse processo como a Flor da Vida, desenho baseado nas diferentes pétalas de uma flor, que promove, de forma lúdica, a identificação de como ele se vê nas diferentes esferas da vida ou dos estilos de vida”, exemplifica Viviane Barroso.

               Os cuidados na menopausa são um bom exemplo, segundo a profissional, de como a MEV pode ser benéfica. Nessa fase, a mulher costuma trazer queixas de intensidade variável, como o fogacho, a dificuldade para dormir, o aumento de peso e a redução da autoestima. “São questões que decorrem do brusco desequilíbrio entre os hormônios e estão ligadas ao estado geral da mulher e ao estilo de vida adotado até então. O combate ao sedentarismo ocupa lugar de destaque nesse contexto, pois melhora a aptidão física e favorece a disposição para viver, bem como a dieta saudável e o não tabagismo”, afirma a enfermeira.

              Entre os problemas de saúde evitáveis e fortemente ligadas aos hábitos de vida das pessoas, doenças respiratórias crônicas, como asma e enfisema, são alguns exemplos de morbidades que podem ser prevenidas de tratadas por meio da MEV – embora ela, sozinha, não garanta a cura completa. Também entram no topo dessa lista o diabetes tipo 2, os diversos tipos de câncer, as patologias autoimunes e a síndrome metabólica, o conjunto de fatores que predispõem a doenças cardíaca, como hipertensão arterial, nível elevado de colesterol e excesso de gordura corporal, especialmente em torno da cintura. “A medicina do estilo de vida não exclui medicamentos ou procedimentos médicos, quando estes são necessários. Porém, simultaneamente a eles, busca melhorar a qualidade de vida dos pacientes por meio de mudanças nos hábitos, com foco em revigorar a saúde a longo prazo”, descreve a médica Lívia Salomé, de Belo Horizonte, especialista em clínica médica geral e capacitada pelo Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida, em São Paulo.

              Aos 53 anos, Fernando Antonio de Oliveira levou um susto quando, por meio de exames de sangue, descobriu que sua glicose estava muito acima dos limites da normalidade. “Com o diabetes tipo 2 já instalado, fiquei assustado e decepcionado comigo mesmo por ter uma doença séria, perigosa, que surgiu em função de maus hábitos”, conta ele. Fernando iniciou o tratamento com uma endocrinologista por meio de medicamentos e, aos poucos, adotou os pilares da MEV, como a dieta sem doces e álcool e maior inclusão de frutas, legumes e verduras. Também desenvolveu o hábito de se exercitar em corridas de rua, mesmo estando acima do peso ideal.

               Fernando eliminou uma média de 30 quilos e recuperou o equilíbrio emocional, ao ver os resultados positivos. “Minha perda de peso foi rápida e favoreceu muito o prognóstico do diabetes: a medicação foi sendo reduzida pela endocrinologista e, já há alguns anos, não faço mais uso de remédios para controle da doença, embora ainda faça consultas médicas com regularidade de quatro meses”, conta ele. Nem tudo são flores, claro. “No início, é muito doloroso: a gente fez as coisas de forma errada por vários anos e quer que elas se resolvam num piscar de olhos. Mas, com o passar do tempo, vamos entendendo o processo e nos fortalecendo, ganhando ânimo para continuar.”

               Embora não seja a mesma coisa que medicina preventiva, a MEV compartilha com ela alguns princípios e áreas de interesse em comum, no sentido de evitar a manifestação de doenças. Foi a partir dessa linha de pensamento que o empresário Yuri Villela conheceu a abordagem. “Busquei um profissional que me ajudasse a ter uma visão completa da minha saúde e me apoiasse nas mudanças necessárias para ter mais qualidade de vida e evitar algumas doenças comuns na minha família em fases mais maduras da vida”, conta ele. A partir de exames clínicos, que identificaram seu estado geral de saúde e nortearam o que seria preciso corrigir, ele aderiu a um tratamento com base em dieta alimentar, reposição de vitaminas, instruções para cuidados com o sono e o estresse, dentre outros aspectos de comportamento e hábitos.

               “Sempre disse que odiava atividade física, especialmente musculação. Mas, no tratamento, a médica me ensinou a importância, em longo prazo, dos exercícios de carga resistida para a saúde óssea e muscular. Passei a entender que ir à academia não era uma punição, mas um cuidado. Foi uma orientação fundamental para eu conseguir ter dois anos de consistência e regularidade nos exercícios. Vejo isso como parte da minha vida agora”, conta ele. Em um trabalho multidisciplinar com nutricionista e educador físico, a MEV ainda ajudou Yuri a ter um olhar global para a saúde, especialmente no que diz respeito à qualidade do sono. “Hoje, a vida saudável é um meus principais valores. É melhor trabalhar um pouco cada dia, para viver melhor e por mais do que tempo, do que trabalhar duro de uma vez só, para curar algo que se tornou grave.

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Yuri Villela: “Hoje a vida saudável é um dos meus principais valores”

 

               Controle do estresse e cultivo de relacionamentos saudáveis são os pilares da MEV que tratam da saúde emocional, tão importante quanto o bem-estar físico. Manter esses dois pontos em dia foi um desafio crítico durante a pandemia de covid-19. “Convivíamos com o temor diário do contágio pelo vírus e, ao mesmo tempo, tínhamos a necessidade de manter o confinamento e quarentena. Conheci a Medicina do Estilo de Vida neste momento e iniciei uma fase de transformação e descobertas em minha saúde física e mental”, conta a farmacêutica aposentada Dora Lui. Com sessões virtuais semanais, ela relata ter vivido uma verdadeira terapia a partir dos pilares da MEV, entendendo o “estado atual” e mapeando o “estado desejável”, além de reconhecer as forças e as fraquezas da personalidade. “Este estudo nos faz enxergar, com clareza, nossas falhas, dificuldades, erros e acertos, para que, a partir daí, possamos promover mudanças e estabelecer metas, a fim de alcançarmos o ‘estado desejável’”, diz ela.

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Dora Lui: protagonista no processo
de saúde física e mental

 

Rotinas, hábitos, planejamentos, gatilhos, obstáculos, metas, ferramentas, manejo de recaídas, desenvolvimento de habilidades, autocontrole, autoconhecimento. Dora relata ter trabalhado todos esses aspectos em seu processo de melhoria da saúde de forma integral, além de práticas como ioga e meditação. Ela diz se sentir mais motivada e observa melhora dos nos exames sanguíneos laboratoriais. “Ao final do tratamento, sinto-me mais capaz de ser a protagonista no meu processo de saúde física e mental, com propósitos, autoconhecimento e maior segurança para caminhar num estilo de vida que me traga benefícios, com permissão para falhas, mas sem desestímulos: posso reparar e prosseguir.”

               Embora ainda não seja reconhecida pelo CFM, a MEV tem uma certificação internacional, concedida pelo American College of Lifestyle Medicine, nos Estados Unidos. “Ela é obtida somente por meio de uma avaliação realizada anualmente”, informa a médica Lívia Salomé. Por aqui, instituições como a MEV Brasil e o CBMEV estão fortemente engajados, por meio de produção científica, para que a abordagem seja reconhecida como área de atuação em diversas profissões da área da saúde. Em março de 2023, a Academia Brasileira de Neurologia estruturou a Comissão de Medicina do Estilo de Vida (Cmev), visando divulgar os pilares da medicina do estilo de vida para os neurologistas brasileiros. Já em Belo Horizonte, a Universidade Federal de Minas Gerais criou, em 2017, a Liga Acadêmica da Medicina do Estilo de Vida (Lamev), como resultado de um projeto de extensão de controle de diabetes e hipertensão na cidade de Catas Altas, a 120 km de Belo Horizonte: a associação conta, hoje, com uma média de 30 estudantes de Medicina.

               Vale pontuar que a MEV não está relacionada às medicinas alternativa, funcional ou medicina integrativa, pois se baseia em evidências científicas. “A medicina do estilo de vida se destaca por sua ênfase nas mudanças de estilo de vida como uma intervenção fundamental para prevenir e tratar doenças crônicas, enquanto as outras abordagens têm enfoques diferentes e, em alguns casos, podem incluir práticas que não são amplamente aceitas pela medicina convencional”, diferencia Lívia.

 

6 PILARES DA MEDICINA DO ESTILO DE VIDA

  1. Nutrição saudável: consumir alimentos predominantemente integrais e à base de plantas
  2. Movimento: manter atividade física regular
  3. Sono adequado: ter descanso de qualidade e de ao menos oito horas por noite
  4. Gestão do estresse: desenvolver estratégias para lidar com situações de ansiedade e estresse
  5. Relacionamentos: cultivar conexões saudáveis e ter redes de apoio social
  6. Abstinência de substâncias nocivas: cessar o uso do tabaco e outras drogas e prevenir o abuso de álcool

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