Fernando M. Torres

Sonoridades paralelas

Paula Lima: história afetiva com Ray Charles desde criança

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Tudo é Jazz celebra as ligações entre a música de Ray Charles e Pixinguinha em sessões em Ouro Preto, Belo Horizonte e cidades do interior

 

        Minas Gerais respira, pela 22ª vez, o festival Tudo é Jazz, mas, desta vez, em tom de chorinho. O evento homenageia Ray Charles, protagonista do blues, do jazz e do soul, ao lado de Pixinguinha, considerado uma das maiores figuras do choro e da música brasileira.

       A agenda deste ano, já cumprida em Belo Horizonte, Ouro Preto e Congonhas, tem shows gratuitos agendados em duas outras cidades do interior: Ouro Branco, de 27 a 29 de setembro; e em Itabirito, de 22 a 24 de novembro. Além da programação musical, as cidades recebem a exposição itinerante “Ray Pixinguinha”, com desenhos e cenografia assinados pelo estilista Ronaldo Fraga, associados a registros em vídeo de apresentações históricas. Fraga, a propósito, assina seu nome grifado como diretor artístico do evento, ao lado do pianista e compositor Gustavo Figueiredo, responsável pela curadoria musical, e do produtor cultural Rud Carvalho, na direção geral.

       Em Ouro Preto, em agosto, os shows tomaram a praça Tiradentes, o largo do Rosário e o teatro Casa da Ópera, além das ladeiras, ocupadas por cortejos culturais, e dos restaurantes O Passo e Bené da Flauta, com shows em formato pocket. Na madrugada, o Clube XV de Novembro ainda sediou o Cabaré do Fraga – carinhosamente chamado de “inferninho do Ronaldo”. A Casa de Gonzaga acolheu a exposição.

       Nem a chuva que caiu na noite de sábado em Ouro Preto intimidou os artistas Paula Lima, Hugo Rafael e Daniel Lima, que arrancaram emoções diversas do público no show “Tributo a Ray Charles”, na praça Tiradentes. “Nunca havia cantado Ray Charles, mas tenho uma história afetiva com ele desde criança: meu pai tocava as músicas dele nas festas de família, e a gente dançava muito”, revela Paula, em entrevista à Viver Brasil. As notas agudas e a versatilidade soul da cantora destacaram o brilho de standards como “Hit the road Jack”, “Route 66” e “Drown in my own tears”. Já Hugo Rafael, vocalista do grupo Sambô, interpretou canções como a icônica “Georgia on My Mind” e “What’d I Say”. Clássicos como “I can’t stop loving you” ficaram a cargo do mineiro Daniel Lima, que também interpretou “I got a woman” e “Unchain my heart”.

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        O show “Tributo a Pixinguinha”, por sua vez, foi realizado no largo do Rosário, pelo grupo mineiro de choro Toca de Tatu, composto por Lucas Ladeia, no cavaquinho; Abel Borges, na percussão; Luísa Mitre, no piano; e Lucas Telles, no violão.

        O som distintivo respeitou a altivez clássica do compositor, mas, ao mesmo tempo, trouxe abordagens inovadoras, equilibrando suingue, versatilidade e delicadeza em canções como “Carinhoso”, “Rosa” e “Um a zero”. O tributo contou ainda com a participação do arranjador e saxofonista Proveta e do cantor e compositor mineiro Sérgio Santos.

       O cantor Lenine foi a principal atração popular na cidade colonial. Vencedor de seis Grammys Latino e diversos prêmios no Brasil e no mundo, ele entregou um show de força vocal na praça Tiradentes, afinado com a textura de violões, percussão e programações eletrônicas, com sucessos como “Paciência”, “Simples assim” e “Hoje eu quero sair só”. “Jazz significa muita coisa, mas tem um sentido libertário para mim, do improviso, de uma música viva, contemporânea. Tenho interesse por músicas que não necessitam de adjetivos, mas reconheço que foi devastador quando ouvi Miles Davis pela primeira vez”, conta Lenine, em entrevista à Viver Brasil.

       Para ouvidos mais entendidos e apurados, o grande “wow” veio do show do premiado pianista e compositor holandês Mike del Ferro, cuja carreira se define pela pesquisa de diversas tradições musicais do planeta e colaborações com renomados nomes do jazz, como o belga Toots Thielemans e o norte-americano Branford Marsalis. No largo do Rosário, Del Ferro exibiu todo o seu virtuosismo e sensibilidade ao piano, acompanhado pelo baixista Bruno Velloz e pelo baterista Márcio Bahia, em composições autorais e clássicos da bossa nova. A programação do Tudo é Jazz em Ouro Preto ainda contou com nomes como o baixista Fernando Rosa, a cantora e compositora Vanessa Moreno, o pianista Gustavo Figueiredo, o saxofonista Cléber Alves, o duo Lívia & Fred, de voz e guitarra, dentre outros.

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Programação em Belo Horizonte aconteceu na praça da Liberdade

       Em Belo Horizonte, o Tudo é Jazz foi sediado em julho, no Beco do Drummond, na praça da Liberdade. Bem ao lado, o Museu das Minas e do Metal recebeu a mostra. Quem surpreendeu o público foi o garoto prodígio Chrystian Félix, de apenas 16 anos, autodidata em piano, flauta doce, bateria, baixo e guitarra. Outro destaque da programação na capital ficou por conta do Trio Latin Jazz, formado pelo percussionista e baterista Eduardo Cubano Espasande, pelo pianista Hanser Ferrer, também cubano, e pelo baixista colombiano, Gustavo Martines: o grupo, que também esteve em Ouro Preto, apresentou um show de músicas de gêneros latinos, como rumba, salsa, bolero e mambo.

       O público belo-horizontino também pôde conferir tributos aos homenageados do ano. A banda Happy Feet – formada por Thaís Moreira (vocal), Marcelo Costa (trompete e voz), Fred Natalino (piano), Yan Vasconcellos (contrabaixo) e Bo Hilbert (bateria) – homenageou Ray Charles. O percussionista mineiro Tulio Araújo, acompanhado de Evan Megaro, ao piano; Rafael de Sousa, no baixo acústico; Bruno Teixeira, na flauta; e Bernardo Fabris, no saxofone, destacou a criatividade e irreverência de Pixinguinha, traduzindo em sons os paralelos entre o choro e o jazz.