No glorioso Ocidente do século 21, a distopia deixou de ser uma ameaça e virou um serviço premium com login via reconhecimento facial. Orwell previa a opressão por medo. Huxley, a submissão por prazer. A elite global decidiu: por que não os dois? Vivemos sob um Estado emocional-totalitário. Não há Ministério do Amor, mas há um app de relacionamento que monitora seus batimentos cardíacos.
Não há um Partido único, mas há uma coalizão invisível entre empresas, influencers, algoritmos e tribunais. A população, feliz, vive entorpecida não por soma, mas por dopamina digital. Cada curtida vale mais que um abraço. Cada compra parcelada em 12x é uma vitória sobre a angústia existencial. O entretenimento é constante, colorido, interativo — e vazio. O tédio é ilegal. O silêncio, suspeito. A vigilância? Amigável. Alexa escuta, o banco analisa, a IA prediz. Ninguém invade sua casa. Você mesmo cedeu a planta, a foto do pet, o CPF, a localização e o histórico de busca. A cultura foi plastificada.
Os livros foram substituídos por resumos em vídeo com trilha épica. A literatura crítica virou ameaça à saúde mental. A arte deve ser neutra, leve, patrocinada. A diversão não pode incomodar. As emoções são gerenciadas por pílulas, playlists e positividade tóxica. Tristeza? Tratável. Revolta? Desnecessária. A moral é líquida, mas o algoritmo é rígido. E qualquer desvio é corrigido com shadowban ou linchamento digital.
NINGUÉM INVADE SUA CASA. VOCÊ MESMO CEDEU A PLANTA, A FOTO DO PET, O CPF
As massas foram ensinadas a amar sua servidão. Quem pensa demais é “radical”, quem duvida é “negacionista”, quem lembra é “saudosista”. O presente eterno é o feed. O passado foi deletado. O futuro já vem com cashback. A política, claro, virou performance. A esquerda quer salvar o planeta com eco-influencers; a direita quer salvar a família com memes e tanques de guerra. E se um dia você acordar desconfiando de tudo, sentindo que há algo errado… relaxe. Respire. Tome sua dose de entretenimento. Veja uma série sobre distopias — e esqueça que está dentro de uma. Enfim, nasceu a civilização do espetáculo (Vargas Llosa). Afinal, nada é mais eficaz que um povo que ama suas tornozeleiras eletrônicas — e tira selfie com elas.