Espécies variam de acordo com região
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Plantas alimentícias não convencionais ganham espaço na discussão sobre sustentabilidade e saúde
Elas são Pancs; plantas alimentícias não convencionais. Não estão à mesa cotidiana do brasileiro ou disponíveis em quantidade nas gôndolas de supermercado e feiras com a frequência do alface e da banana, mas podem ser encontradas nos quintais e até camufladas entre folhagens, confundidas com mato, sem que as pessoas saibam de seu potencial nutritivo. Peixinho da horta, taioba, ora-pro-nóbis, cagaita, caxi, mugango, capuchinha, gabiroba, jatobá são exemplos das mais de 1.500 espécies estudadas pelo biólogo Valdelly Knupp, criador do termo Panc. As espécies são caracterizadas por serem próprias de uma região, fazendo parte de hábitos alimentares locais.
Costumam ser cultivadas por comunidades tradicionais e quilombolas, conforme seus costumes, obedecendo à sazonalidade. “Estão mais presentes nos mercados regionais e não têm uma cadeia produtiva bem estabelecida”, explica a pesquisadora da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), Marinalva Woods Pedrosa.
A pesquisadora foi uma das participantes do 8º Encontro Nacional de Hortaliças não Convencionais, realizado em julho, em Minas Gerais, que reuniu palestrantes e pesquisadores de di versas instituições de pesquisa do país, também indígenas e quilombolas para discutir o tema Hortaliças Panc: das tradições populares ao conhecimento científico.
Segundo ela, a riqueza que envolve o tema é tamanha que foram apresentados trabalhos que vão desde a descrição de bancos de multiplicação das espécies, propagação, manejo, nutrição, engenharia de alimentos, fitopatologia, espelhando a importância para a comunidade técnico-científica, para produtores e para aqueles que buscam por uma vida mais saudável.
O CICLO VIRTUOSO DAS PANCS
Porque, sim, as Pancs podem, também, contribuir para uma alimentação mais diversificada, rica em nutrientes e sem agrotóxicos. De acordo com Marinalva, esta é a proposta do cultivo das plantas alimentares não convencionais: trazer a diversidade para o campo. O efeito é a criação de um ciclo virtuoso: maior equilíbrio na área de cultivo e na otimização de insumos, áreas com plantas que se complementam e exigem menos uso de água, respeitando as estações. “Cria-se até oportunidade de diversificação de renda do produtor, o que irá impactar na sua alimentação, contribuindo para o sistema como um todo.” A expressão para isso tudo também pode ser sustentabilidade.
MONOTONIA ALIMENTAR X RIQUEZA DE SABORES
Arroz, feijão, batata frita, bife, ovo, alface e tomate. Não é raro que o brasileiro enumere estes alimentos como os recorrentes de sua dieta. E este é, sob o aspecto de riqueza alimentar, um problema: uma salada pobre, que leva ao que Marinalva chama de monotonia alimentar. “À medida que mudamos de região, vamos ter Pancs diferentes. Na região Norte, por exemplo, temos espécies típicas da região amazônica e que fazem parte dos costumes dos povos dali, como o jambu, taperebá, cupuaçu.
Em Minas, os primeiros nomes são ora-pro-nóbis e taioba, mas encontram-se outras conforme muda-se de região do estado, como o cansanção, na região de Sete Lagoas. A capiçova, na Zona da Mata, e no norte de Minas o pequi”, relata Marinalva. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), apesar de haver cerca de 30 mil espécies de plantas comestíveis, somente cerca de 6 a 7 mil foram cultivadas, caindo para 30 o número de vegetais dos quais se obtém as necessidades calóricas diárias. Fica claro que conhecemos e consumimos uma porcentagem reduzida delas.
A autonomia alimentar é outro aspecto positivo do cultivo das Pancs: graças à riqueza da biodiversidade mineira e brasileira, as pessoas podem se alimentar do que está próximo, trazendo hábitos de volta à mesa. Picância, amargor, dulçor, sabores mais suaves ou até mesmo aqueles que podem receber temperos, como a araruta. Realmente a monotonia alimentar não combina com a riqueza dos distintos biomas brasileiros, o que faz o estímulo à inclusão das Pancs no cardápio nacional ser mais do que bem-vindo. Caberá ao consumidor se permitir experimentar para que o ciclo seja alimentado. Esta é uma semente que vale a pena ser plantada.
AUTONOMIA ALIMENTAR
Diz respeito à capacidade dos indivíduos escolherem e consumirem alimentos conforme suas preferências, com controle sobre o sistema alimentar que os afeta. Envolve não apenas a escolha dos alimentos, mas também a produção, processamento, distribuição e acesso, considerando fatores como cultura, meio ambiente e recursos disponíveis, sem depender exclusivamente de sistemas alimentares externos e muitas vezes inacessíveis ou insustentáveis.
SAZONALIDADE
Quando se trata de alimentação refere-se ao consumo de produtos frescos e locais, aproveitando ao máximo o que cada estação oferece. Garante alimentos mais saborosos, nutritivos e apoia os produtores locais. A valorização da sazonalidade relaciona-se, também, à consciência ambiental, pois reduz a necessidade de transporte e conservação de alimentos e promover o consumo de produtos com menos agrotóxicos