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Economista analisa taxa de juros e risco de volta da inflação
Juros altos, inflação batendo à porta e um governo que enfrenta dificuldade em conter seus gastos. O cenário poderia ser pior, mas a economia dá sinais de recuperação e o desemprego está em queda. Essa situação, segundo os especialistas, é mais em função dos gastos do governo do que pelo aumento da produção. O economista João Gimenez acredita que, pelo menos, a taxa de juros poderia estar em um patamar menor, de 9%.
A TAXA DE JUROS PODERIA ESTAR EM UM PATAMAR MENOR?
Essa taxa de juros é o principal instrumento de política monetária que o Banco Central tem desde 1999, quando, no Plano Real, foi preciso abandonar aquela estratégia do câmbio fixo, ou quase fixo. Quando o real flutuou em relação ao dólar, houve uma pressão muito forte e foi pre ciso abandonar as chamadas bandas cambiais. Na época, Armínio Fraga foi nomeado presidente do Banco Central e ele trouxe, da experiência no exterior, o regime de metas inflacionárias. Esse regime consiste em manejar a taxa de juros, conforme a expectativa da inflação e, a cada três anos, o Conselho Monetário Nacional iria trabalhar uma taxa de inflação a ser perseguida pelo Banco Central.
Quando a expectativa inflacionária está acima desse intervalo, que é o centro da meta, que atualmente é 3%, com 1,5 para baixo ou 1,5 para cima, o Banco Central, teoricamente, manteria a taxa de juros fixa. Se existe uma pressão de expectativa da inflação crescer no futuro e ultrapassar esse teto aí, a estratégia do Banco Central, teoricamente, é de aumentar a taxa de juros. Com o país crescendo e a inflação girando em torno do centro da meta, significa que a taxa de juros é compatível com a meta inflacionária e não prejudica o crescimento econômico. E esse é o fundamento do regime de metas.
O Banco Central depois que aumentou a taxa de juros, porque a inflação começou a voltar no período pós-pandemia e aumentou bastante veio diminuindo, até chegar abaixo de 10% e agora voltou a aumentar. Por que eu acho que ela está fora do lugar? Toda a taxa de juros, principalmente a taxa básica, que é a base dos juros de um país, tem componentes, basicamente: o retorno real que o investidor espera receber, esse retorno real é livre da inflação e livre de risco que é o que eu quero receber daqui a 5 anos, daqui a 2 anos, descontada a inflação e livre do risco. Esse é o retorno real esperado. Nós temos a expectativa inflacionária porque está muito ligado ao regime de metas, então ela faz parte da composição da taxa básica Selic, e temos um risco.
Como nós estamos falando de taxa básica, considero como risco o risco país, porque internamente a gente aplicar em taxa Selic é risco zero. Porque o governo não vai, teoricamente, dar calote na dívida. Se ele precisar rolar a dívida, o governo líquida um título hoje e hoje mesmo coloca um outro título no mercado. O risco mínimo numa taxa básica, considerando o risco país, que hoje está abaixo de 3% ao ano. Ou seja, em média, os títulos públicos do Brasil lançados no exterior pagam 3 pontos percentuais acima, ao ano, em relação aos títulos americanos, que são considerados de risco zero. Então, mesmo com a expectativa inflacionária ligeiramente acima do teto da meta, acima de 4,4% e o risco do país, colocando 3% como se fosse um risco máximo admitido, teremos um retorno esperado do capital, muito acima dos Estados Unidos.
O retorno real esperado, ou seja, livre de risco e livre de expectativa inflacionária, é 3,7% no Brasil. Nos Estados Unidos é 1,3%. A sociedade está pagando um retorno real para essa taxa de juros quase três vezes o que a sociedade americana paga. Eu não sei se isso é razoável. Daí parto do princípio de que a taxa de juros, a taxa Selic, não deveria estar tão alta. Ela podia estar abaixo de 10%, sem grandes problemas. Hoje ela está em 11,25.
PODERIA CHEGAR A QUANTO?
Eu acho que ela podia ser de 9%. Em um estudo empírico que fiz, ficaria em 8,6%, se os banqueiros brasileiros e os investidores, que são os que determinam esses valores – seja na expectativa inflacionária, seja no retorno real esperado- achassem bom ganhar 1,3% ao ano em termos reais, como é nos Estados Unidos, a taxa hoje estaria em 8,6% pelo cálculo que eu fiz. Temos que combater uma inflação ligeiramente maior do que o teto da meta, com uma taxa de juros de 2 dígitos, com viés de alta.
AGORA, OS ANALISTAS FALAM QUE MESMO COM O GABRIEL GALÍPOLO NA PRESIDÊNCIA DO BANCO CENTRAL, É BEM PROVÁVEL QUE OS JUROS FIQUEM ACIMA DE 12% ATÉ MEADOS DO ANO QUE VEM. POR QUE MAN TER A SELIC TÃO ALTA?
Pelo critério do regime de metas inflacionárias. Essas três variáveis saem da pesquisa Focus. Tem 100 empresas que respondem semanalmente o que elas acham que vai ser do PIB, o que vai ser do câmbio, o que vai ser da taxa de juros e o que vai ser do crescimento da economia. Semanalmente, o Banco Central calcula, através do relatório da pesquisa Focus, as medianas das expectativas desses 100 agentes econômicos participantes. Cerca de 90% desses 100 agentes, entre 85 e 90, a grande parte da definição dessas expectativas, é fortemente determinada pelo setor financeiro, pelos banqueiros. E os banqueiros entendem, numa visão assim muito própria da economia, que se não tiver o ajuste fiscal, fica muito difícil o país conseguir ancorar a dívida pública sobre o PIB. A grande preocupação é que o PIB está crescendo mais do que se esperava.
Mas o PIB está crescendo mais, não é por virtude própria, as pessoas acham que boa parte desse crescimento do PIB é um crescimento forçado, porque o governo está aumentando os gastos públicos, aumentando o consumo e que, portanto, está dando esse dinamismo à economia brasileira. Economia está melhorando, o desemprego está diminuindo. Mas, na visão desses analistas, que é a visão predominante do mercado financeiro brasileiro, é de que daqui a pouco não vai ser possível manter essa taxa de crescimento. E se o governo não se preocupa com ajuste fiscal, em manter os gastos dentro do arcabouço fiscal, como está acontecendo, de tirar muitas despesas extras, sair do cálculo, as próprias críticas do presidente Lula, as críticas da presidente do PT e do PT de modo geral, de que o Banco Central não está manejando bem a economia, tudo isso deteriora o ambiente de expectativas.
As pessoas acham que a dívida vai crescer em um nível mais acelerado do que o do PIB, e com isso, nós vamos comprometer a nossa capacidade social agregada de pagar a dívida. E quando se tem uma preocupação com o pagamento da dívida, ou com o desequilíbrio da dívida com relação ao PIB, as pessoas começam a cobrar um prêmio de risco maior, aumentando as expectativas tanto do retorno real esperado, quanto da taxa de risco e das expectativas inflacionárias. As pessoas estão entendendo que o governo está recorrendo ao aumento de gastos públicos e esses gastos vão comer, comprometer ali adiante a estabilidade da dívida pública como proporção do PIB. Se não houver um ajuste, ou nós vamos ter um estouro da dívida pública ou nós vamos ter uma volta da inflação. Normalmente é a volta da inflação.
O BRASILEIRO ESTÁ PREPARADO PARA O RETORNO DA INFLAÇÃO ALTA?
Vivemos em um país não tinha visão nem de 6 meses à frente porque ninguém tinha noção do preço dos produtos, a quanto a inflação iria chegar. Existe uma preocupação muito grande das pes soas de que não haja o retorno da inflação. Bem ou mal, temos conseguido manter o real uma moeda praticamente estável desde o seu lança mento, em 1994. E eu acho que isso é um ganho extraordinário que nós conseguimos com o Plano Real, com os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, e na primeira metade do governo Lula, que foi mais ortodoxa do que no segundo mandato do Fernando Henrique Cardoso. Agora, nós temos muitos problemas nessa questão de controle de gastos. O Congresso exige do governo, do Executivo, que ele controle as despesas, mas quando o Executivo vai negociar as emendas, o Congresso não quer abrir mão delas. As emendas correspondem a valor substancial das despesas públicas anuais orçamentárias. Na Previdência, toda reforma, do Plano Real para cá, inclusive a última feita no governo Bolsonaro, o ajuste é sobre as populações de menor renda. Onde há um maior déficit da Previdência normalmente não se mexe, que são nos salários das pessoas que ganham mais, nas pessoas que se aposentam com menos tempo de serviço, que é no setor público, essas coisas não se mexe. Então, por isso é que esses ajustes da Previdência têm uma vida útil muito peque no. Já está se falando novamente de déficit da Previdência e nós não temos nem 5 anos que nós fizemos a última reforma.