Economia

José Afonso Assumpção, o líder da aviação

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foto Álbum de família

Comandante José Afonso Assumpção, fundador da Líder Aviação, comemora 90 anos de grandes voos, juntamente com os 65 anos da empresa, uma das principais no segmento de táxi-aéreo na América Latina

Corria o ano de 1958, o terceiro do governo de Juscelino Kubitschek, o presidente bossa-nova. “Samba do Avião”, uma das marcantes canções da Bossa Nova, movimento musical lançado naquele ano e símbolo dos ventos de modernidade vividos pelo Brasil, só iria aterrissar no Galeão em 1962. Mas é em 1958 que, de Minas Gerais, decola o primeiro voo da empresa que se transformaria em referência em táxi-aéreo na América Latina, a Líder Aviação. Ao completar 65 anos, a companhia possui mais de 50 jatos, turboélices e helicópteros, 19 bases próprias, 1,5 mil funcionários e projeção de fechar 2023 com R$ 1 bilhão de faturamento.

O legado é fruto da perseverança do comandante José Afonso Assumpção, que comemora 90 anos em 2023. Recém-habilitado como piloto na década de 1950, ele percebeu o potencial da aviação de negócios no país, naquele fervilhante ambiente de crescimento econômico. Belo Horizonte tinha quatro empresas regionais de táxi-aéreo, todas sediadas no Aeroporto Carlos Prates – desativado no último 1º de abril. O próprio José Afonso trabalhava em uma delas, a Imperial, seu primeiro emprego, pilotando o pequeno e elegante Bonanza 35. Visionário e preocupado com o crescente número de acidentes, ele reuniu capital e pediu demissão para montar sua própria empresa de aviação executiva, inicialmente com a operação de um único monomotor Cessna 170.

A Táxi Aéreo Líder Ltda nasceu com uma equipe enxuta, e o comandante-empresário precisava pilotar para fechar o caixa. Desenvolveu protocolos de voo bastante rígidos para a época e tratou de anunciá-los, garantindo a preferência da clientela, especialmente aquela que viajava para acompanhar o desenvolvimento das obras da nova capital federal, das barragens de Três Marias (MG) e Salto Grande (MG) e da indústria siderúrgica, em Ipatinga. O saldo foi positivo. Entre 1962 e 1963, já no tumultuado governo de João Goulart, a Líder possuía um hangar no Aeroporto da Pampulha, 12 aeronaves Cessna, financiados pelo BDMG, um Beechcraft D185 (primeiro bimotor utilizado pelo serviço de táxi-aéreo no Brasil), e três unidades do luxuoso Aero Commander 500, com capacidade para voos de longa distância. Em 1971, também foi pioneira no Brasil a operar e representar o Learjet, moderno jato executivo de porte médio e alta performance, com capacidade de operar na maior parte dos aeroportos mundiais.

 Nos anos de chumbo, José Afonso Assumpção enxergou demanda no mercado de óleo e gás, menina dos olhos do governo militar, dado que as bases em terra precisavam se conectar, via aeronaves, às faraônicas plataformas de petróleo em alto-mar. Já com hangar no Aeroporto Santos Dumont e a serviço da Petrobras, a empresa adquire oito Sikorsky S-58T, modelo de helicóptero biturbina para 16 passageiros originalmente projetado como avião de guerra antissubmarino. Até hoje, o segmento onshore e offshore estão entre os principais nichos de negócio da Líder.

Tenente-aviador na Força Aérea Brasileira no início da década de 1970, o comandante  Walter Archanjo Barro conta suas primeiras impressões da Líder e do comandante José Afonso. “Pousamos um avião da FAB, um Bell UH-1, em frente do hangar da Líder, no Aeroporto da Pampulha. O comandante José Afonso, então com 38 anos, veio ver o helicóptero e nos convidou a conhecer a cobertura. Estávamos acostumados com hangares com manchas de graxa e óleo, mas ficamos impressionados com a limpeza e o chão encerado, parecendo uma vitrine, com todos os funcionários de gravata. Sem falar da ênfase do comandante na prioridade de segurança nos voos”, recorda.

Pouco meses depois desse primeiro contato, o comandante Barro e outros cinco tenentes-aviadores receberam o convite para trabalhar na Líder, mais especificamente no Projeto Radam, o Radar da Amazônia. Organizada pelo Ministério de Minas e Energia, a empreitada tinha a meta de coletar dados sobre recursos minerais, do solo e da vegetação em território amazônico e de áreas adjacentes da Região Nordeste. “A Líder comprou três helicópteros Fairchild Hiller FH-1100 para essa operação. Nossa escala de voo era de 30 dias voando na selva e 30 dias de folga. Tínhamos uma base com dois helicópteros no Amapá, um helicóptero em Fortaleza e outro em Natal”, lembra.

Outra experiência no Norte foi com a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), quando o comandante José Afonso fundou a Líder Amazônia Táxi-Aéreo, em 1975. Na época, todas as empresas de aviação executivas de Belém do Pará operavam no antigo Aeroporto Brigadeiro Protásio de Oliveira, desativado em janeiro de 2022. “O Aeroclube do Pará nos ofereceu um terreno de graça ali, enquanto o Aeroporto Val-de-Cans, onde pousavam os aviões comerciais, já administrado pela Infraero, exigia pagamento elevado e muitas exigências. Visionário, o comandante decidiu construir o hangar no Val-de-Cans, pois acreditava que, em breve, os helicópteros iriam operar por instrumentos e precisariam de um aeroporto equipado. De fato, um ano depois, começamos a voar por instrumentos”, conta o comandante Barro, que atuou como diretor de operações da Líder Amazônia. Até hoje em atividade, ele coleciona 28,8 mil horas de voo e 51 anos na Líder. “Nunca fui incentivado ou coagido a voar em condições que eu considerasse arriscadas. A segurança sempre veio em primeiro lugar”, afirma.

Atual CEO da Líder, o engenheiro Eduardo Vaz entrou na empresa em maio de 1982, ainda como estagiário. Em 1984, justamente quando a Líder conquistou a liderança no ramo da aviação executiva na América Latina, ele foi efetivado, na área de manutenção de aeronaves. Desde então, galgou promoções até assumir o posto de principal executivo. “Com o apoio do comandante José Afonso, morei nos Estados Unidos pela Líder, onde fiz mestrado, e voltei a Belo Horizonte em 1993 para ser diretor-superintendente”, relata. Anos depois, em 1998, com apenas 37 anos, Vaz substituiu José Afonso. “Foi uma responsabilidade enorme suceder um ícone na aviação, o proprietário, único fundador. Mas tive muito apoio e incentivo dele para isso, em uma relação construída com muita confiança e respeito, dos dois lados”, diz.

A relação transcendeu o lado profissional: nasceu uma amizade sólida e profunda. Vaz não economiza em elogios. “Tenho o comandante José Afonso como grande inspiração de vida. Um grande empresário, empreendedor e um ser humano excepcional, pelos valores que carregou e praticou. É excepcional ouvinte, extremamente pragmático, muito realista, objetivo, prático, determinado e desprovido de vaidade. Tem aguçada percepção da realidade e, ao mesmo tempo em que é inovador, balanceia a ousadia e o pioneirismo com muito equilíbrio e conservadorismo, do ponto de vista financeiro, sempre com os pés no chão”, qualifica o CEO.

Há mais de 40 anos Líder, Eduardo Vaz viveu momentos-chave na trajetória de modernização da companhia. Dentre eles, o início da representação de uma das maiores fabricantes de aeronaves do mundo, a Raytheon Aircraft Company, em 1995; e a aquisição dos jatos intercontinentais Hawker 800, em 1997. Destaque também para a criação da Composite Technology do Brasil (CTBrasil), em dezembro de 2000, fruto da parceria com a Composite Technology Inc. (CTI), com a finalidade de ampliar o portfólio de manutenção. Já em 2002,  a Líder trouxe para o mercado brasileiro a primeira aeronave Premier I, da Raytheon, uma verdade revolução na aviação executiva, com maior espaço interno e menores custos de operação.

Outros pontos altos do novo milênio incluem a representação da CAE SimuFlite no Brasil, a partir de 2003, para venda de treinamentos para mecânicos e simuladores de voos para pilotos; a inauguração do Centro de Treinamento, em 2006, o único de uma empresa de aviação executiva no Brasil a receber a homologação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac); e a abertura de diversas bases aeroportuárias no país, em cidades como Manaus, Itanhaém (SP), Recife, Vitória, Fortaleza, Campinas (SP), Curitiba, Natal, Boa Vista e Corumbá (MS). Desde 2015, a Líder também é a primeira e única empresa brasileira a representar a HondaJet no Brasil para compra e venda do modelo de aeronave mais entregue no mundo, na categoria Very Light Jets. “Nestes 65 anos, a Líder se manteve com muita jovialidade e energia, celebrando o sucesso do passado, mas também muito preparada para continuar a caminhada. Para os próximos ciclos, visualizamos manter a liderança nos segmentos que já atuamos e estar à frente de algumas mudanças tecnológicas, como o uso de biocombustível e as possibilidades da inteligência artificial”, projeta Eduardo Vaz.

A AI, aliás, já é realidade na empresa, tanto nas áreas preditivas de manutenção e precificação, quanto no contato com o público, por meio de um aplicativo para smartphones. “Investimos em inovação e tecnologia com o objetivo de facilitar a vida do cliente na contratação dos nossos serviços e produtos, com agilidade, informação em tempo real e garantindo a segurança operacional. Sem dúvida, devemos muito desse conceito ousado e visionário ao comandante José Afonso”, comenta a COO Junia Hermont.

Lançado em 2018, o app da Líder foi muito potencializado no auge da pandemia. “Ele possibilita que o usuário faça a cotação e realize todo o processo de fretamento de aeronaves, sem nenhuma interação humana. Em busca de um público mais jovem e conectado, também implantamos novas ferramentas, como a venda de assentos não utilizados no voo e a divisão do custo por passageiro”, detalha a diretora-superintendente Bruna Assumpção.

Ainda em termos tecnológicos, em 2021, a Líder foi a primeira operadora a ter autorização da Anac para usar o Diário de Bordo Digital (eDB). “A plataforma possibilita a integração de todos os dados de voo de forma automatizada, por meio dos sistemas de controle de pouso e decolagem instalados nas aeronaves. O registro da comunicação entre os pilotos, mecânicos e coordenação de voo é feito através desse sistema, possibilitando uma operação com ainda mais segurança, nosso principal valor”, diz Bruna Assumpção.

O sobrenome da diretora revela o parentesco com fundador. Neta do comandante – o casamento com Beatriz Piacenza Assumpção, desfeito nos anos 1990, resultou em três filhas e um filho –, Bruna garante que empresa e família não se misturam. “Enquanto estudava Administração, pedi oportunidade de estágio a meu avô, mas ele não autorizou. Somente cinco anos de depois de já estar mercado de trabalho, em 2010, provando a minha competência e dedicação, o comandante me enviou uma carta formal me convidando para trabalhar na Líder”, relata. Bruna atua como superintendente desde 2018 e já passou por duas unidades das cinco unidades de negócio da empresa: está se preparando para ocupar o cargo de CEO, a partir de 2029. “A Líder é a extensão do meu avô, sinto que é uma responsabilidade muito grande manter tudo isso. Dele, espero ter herdado a disciplina e a obstinação em transpor obstáculos. O comandante tem uma visão muito pragmática dos sonhos: sabe aonde quer chegar e o que precisa fazer para estar lá.”

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