Comportamento

Quando as redes se tornam vício

Capa quando as redes se tornam um vicio

Imagem de Freepik

 

Especialistas alertam para o uso abusivo da internet, suas consequências e dão dicas para quem passa tempo demais conectado

 

 

            O icônico Paul McCartney, em show surpresa em Brasília, proibiu o público de usar celulares. De acordo com a psicóloga, Juliana Pereira, o ex The Beatles queria garantir que as pessoas presentes vivenciassem ao máximo todas as emoções das músicas interpretadas pelo artista e das cenas do inesquecível show, no palco. O fato é só um pequeno exemplo de como o tempo gasto e a qualidade da exposição na internet, em busca de likes, curtidas, notificações, comentários, compartilhamentos e outras manifestações têm incomodado as pessoas e, o pior, estão causando dependência e adoecendo física e mentalmente crianças, jovens e adultos.

           Mais de quatro horas por dia já pode ser considerado um viciado em internet, mas não é tanto o uso abusivo da internet e sim a dependência que causa, ou seja, quando houver prejuízo em participar da vida social e das experiências do dia a dia, isso é mais importante avaliar e determinar”, informa o médico neurocirurgião, da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, com MBA de Gestão em Saúde pelo Hospital Albert Einstein, Felipe Mendes.   

            Segundo o médico, esse adoecimento está ligado ao efeito imediato de recompensa com likes e curtidas que sugerem a liberação de dopamina no cérebro, a substância que está ligada à sensação de prazer, mas afeta o controle dos impulsos. E esse processo vai sendo sensibilizado e aumentado, vai da tolerância até a dependência. Segundo Felipe Mendes, o mundo digital é uma fonte inesgotável de estímulos rápidos, capazes de nos dar pequenas doses de alívio frente à vida real e as pessoas vão em busca desses estímulos que geram prazer para se livrar de sentimentos ruins ou para ter pequenos prazeres ao longo do dia. “E o processo é o mesmo que em outros tipos de vícios, como em jogos ou drogas”, alerta o médico.

              Para Felipe Mendes, só checar o celular o tempo todo, ficar rolando infinitamente as timelines sem buscar algo determinado, pode gerar um looping altamente perigoso para a saúde e, quanto mais a pessoa entra em contato com esses estímulos que causam recompensas rápidas e imediatas, maior a tendência de aumentar o comportamento. De acordo com o médico, a pessoa acaba não tendo mais a noção do tempo que gastou e entra em uma condição de êxtase, procurando de maneira compulsiva, sem racionalizar. A consequência desse tipo de atitude é o desenvolvimento de sintomas, a princípio de ansiedade e atenção, que podem evoluir para quadros mais graves. Felipe Mendes lembra sobre o poder dos algoritmos em nossas vidas. “As pessoas passam a ter acesso a uma interface de mundo excludente, moldada para seus gostos e vieses pessoais e que constantemente reforçam aquilo que elas gostam para que consumam mais e mais. Isso vale para feeds de notícias, redes sociais ou produtos e serviços. É inteligentemente direcionado e contribui muito para aumentar o vício,” garante o médico.

           Entre os sintomas de um viciado em internet estão, depressão, transtorno de esgotamento, mau humor, ansiedade, dificuldade para dormir, redução da concentração em atividades escolares e profissionais, além de não frequentar locais que não oferecem wi-fi e mentir sobre o real tempo que passa conectado.

            Mas há outros sintomas também bastante sérios. A influenciadora digital do Grupo Amor de Mãe BH, Márcia Machado, diz que chega a passar seis horas por dia na internet. “O meu tempo na internet é monetizado em função do meu trabalho, mas percebo claramente o cansaço, a irritabilidade e a vista escurecida. Mesmo em reuniões sociais e familiares não deixo de levar o celular. Eu percebo claramente que o uso abusivo das redes sociais afeta o relacionamento com as outras pessoas. É um desafio muito grande conseguir equilibrar o tempo”, diz. Márcia não permite que os filhos usem celulares durante a semana. “Tomei essa atitude porque percebi que estava atrapalhando o interesse deles em brincar e em outras atividades”, conta.

 

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Márcia Machado: uso abusivo afeta relacionamento com outras pessoas

           A psicóloga Juliana Pereira afirma que já é considerado ultrapassar o limite quando a pessoa passa de três a quatro horas por dia na web. “Tem gente que fica oito horas e não se dá conta desse exagero porque na rede social tudo é mais bonito, mais fácil que na própria vida. E isso cria uma ilusão no cérebro, que não separa a fantasia da realidade. É a sensação de não viver a sua vida e sim a do outro, por meio da tela”, critica.

           Segundo Juliana Pereira já está sendo usado o detox digital nas pessoas para que consigam diminuir o tempo diário nas redes. O detox digital consiste em determinar um período para se desconectar da vida virtual e voltar a sua atenção para a vida real. Essa iniciativa traz muitos benefícios para o corpo, mente e relações pessoais. Ela recomenda observar e limitar o tempo de uso, ter consciência de que existem realidade e fantasia e é preciso sair de casa, encontrar amigos, familiares e não levar o celular. “São pequenos esforços que precisam ser feitos. Todas as vezes que encontrar alguém pessoalmente, dar preferência ao contato e realmente ver, ouvir e falar com aquela pessoa. Se não se sentir em paz nos encontros pessoais, procurar ajuda para saber se não está doente por causa do tempo passado nas redes. Entender que a internet é algo para nos entreter em tempo instantâneo e a gente não percebe que está passando mais horas ali do que vivendo realmente”, concluiu a psicóloga.

Quando as redes se tornam um vicio
Juliana Pereira: diferenciar realidade e fantasia

           Já o médico Felipe Mendes, aponta as terapias cognitivas comportamentais com psicólogos para mudar hábitos, controlar o vício, desativar notificações em primeira página nos celulares. Otimizar ferramentas e funções dos aparelhos que ajudam no tratamento, como a utilização da função da luz meio amarela, que descansa a visão. Buscar o equilíbrio: quem precisa ficar de olho no celular por conta da profissão, por exemplo, deve ficar atento não apenas na quantidade do uso, mas também na sua relação com o aparelho; estabelecer limites entre o trabalho e a vida pessoal.

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Felipe Mendes: fonte inesgotável de estímulos

           Uma das alternativas é concentrar a troca de mensagens do trabalho em um celular diferente do usado para fins pessoais; ter zonas livres de tecnologia ou desafios de detox digital (com família ou amigos, estabelecer ambientes ou períodos onde o celular não pode ser usado, como em uma viagem, por exemplo); saber que a vida offline também é boa (atividades ao ar livre, prática de exercícios físicos e de esportes, ou reunir os amigos no mundo real, longe do celular, também são aliadas); desligar as notificações; curtir o ócio, é importante aproveitar os momentos à toa, sem os apitos das notificações.

           Segundo os especialistas, a pausa – real e digital – é importante para descansar a mente, estimular a criatividade e o desenvolvimento do cérebro. “Não há problema em usar as telas: mas deve-se ficar atento para que o acesso não seja simultâneo a outras plataformas. Isso acontece, por exemplo, quando você está focado em uma tarefa e para tudo para conferir uma mensagem recebida em aplicativos”, alerta.

 

 

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