Como empresas de tecnologia em Belo Horizonte desenvolvem
produtos e serviços com tecnologias que abarcam inteligência artificial
Fernando M.Torres
A inteligência artificial é um campo da ciência da computação que se concentra no desenvolvimento de sistemas e programas capazes de realizar tarefas que normalmente exigiriam a inteligência humana. Em 2023, os avanços em inteligência artificial têm sido notáveis e impactantes. Os sistemas de IA estão se tornando cada vez mais sofisticados, capazes de aprender e se adaptar a novas situações, tomar decisões complexas e interagir com os seres humanos de forma mais natural. Além disso, a IA tem sido aplicada em uma variedade de setores, desde a saúde e a indústria automobilística até a agricultura e a segurança cibernética, proporcionando benefícios significativos, como diagnósticos médicos mais precisos, veículos autônomos mais seguros e uma melhor detecção de ameaças online. Os avanços em IA continuam a impulsionar a inovação e a transformação em diversas áreas, prometendo um futuro cada vez mais inteligente e conectado.
O parágrafo em itálico acima foi totalmente escrito por ferramentas de inteligência artificial, mais especificamente pelo controverso e temido ChatGPT. Lançada em novembro de 2022 pelo laboratório OpenAI, em San Francisco, a plataforma se anunciou como uma revolução da inteligência artificial (IA), pela facilidade com que fornece respostas a inúmeras perguntas feitas pelos usuários, em qualquer idioma. O software baseia sua arquitetura na avançada tecnologia “transformer”, um modelo de deep learning (aprendizado profundo) que se inspira na lógica de funcionamento do cérebro humano. Noutras palavras, a tecnologia “treina” redes neurais artificiais – os “neurônios” da máquina – por meio de algoritmos que interpretam o incalculável conjunto de dados disponíveis no ambiente digital. É o mesmo treinamento que permite, por exemplo, resultados automáticos de tradução cada vez mais fiéis ao idioma pretendido.
Gratuito até o momento, o ChatGPT atingiu 100 milhões de usuários no mundo todo em apenas dois meses após seu lançamento, tornando-se o software de mais rápida aderência de usuários da história. Com isso, deixou apavorados os CEOs de big techs como Google e Twitter e colocou o tema da inteligência artificial no epicentro das discussões legais, éticas e sociais. O conceito de IA, porém, é antigo: remonta a 1956, quando os pesquisadores de computação John McCarthy e Marvin Minsky, dentre outros, apresentaram o termo e o potencial dessa tecnologia em uma conferência da Universidade Dartmouth, nos Estados Unidos. As décadas seguintes trouxeram grandes avanços e máquinas incrivelmente inteligentes, a exemplo do programa de xadrez Deep Blue, da IBM, que derrotou o campeão mundial de xadrez, o russo Garry Kasparov, em 1997; e o computador Watson, também da IBM, que venceu o programa de perguntas e repostas Jeopardy!, da TV CBS, em 2011.
Na verdade, tecnologias embarcadas em inteligência artificial estão presentes em nosso dia a dia sem refletirmos sobre isso. Um exemplo disso é o aplicativo Waze, que coleta dados de usuários, analisa-os e fornece informações atualizadas sobre o trânsito, com alternativas de rotas mais rápidas e alertas de incidentes e obras, previsão de tempo de chegada e até mesmo recomendações personalizadas. Empresas de streaming como Netflix e Globoplay e os sistemas de propaganda de aplicativos como o Instagram também se utilizam da IA para fornecer recomendações personalizadas, com base no histórico de preferências de cada usuário. As assistentes virtuais de voz Siri e Alexa são outros exemplos já populares de IA. E o próprio “dinossauro” sistema de buscas do Google se utiliza, em certa escala, dessa tecnologia, por meio de algoritmos e modelos de aprendizado de máquina para localizar e classificar as informações disponíveis no universo digital.
Belo Horizonte não está de fora dessa nova “corrida do ouro”. A terceira maior cidade brasileira em número de startups – o mapeamento mais recente do estudo “Inovação em Movimento” (maio/2023), da Cortex, aponta 476 empresas emergentes na capital mineira – adota diversas iniciativas no uso da IA em diferentes setores. Fundada em 2014, a A3Data é uma das empresas belo-horizontinas que tem se destacado na oferta de serviços de análise de dados e inteligência artificial, com técnicas avançadas de aprendizado de máquina (machine learning) e processamento de linguagem natural. Entre 2018 e 2022, a A3Data expandiu o faturamento em 2.100% e a base de clientes em dez vezes – e, ao contrário de tirar empregos, aumentou o número de funcionários e colaboradores de 13 para 201. Na lista de grandes clientes, estão: Stellatlantis, Iveco, Fundação Dom Cabral, Algar Telecom, BTG Pactual, Cyrella, Localiza, ArcelorMittal, Banco Inter, BMG, Hering, dentre outros.
A trajetória foi de muitos erros antes dos acertos, reconhece o CEO, Rodrigo Pereira. “Nascemos com o intuito de levar projetos de inteligência artificial para as organizações, mas, ao longo dos anos, percebemos que as empresas, de forma geral, estavam pouco preparadas para isso, tanto por não entenderem o poder da IA quanto por não terem uma cultura orientada a dados”, conta. A reviravolta veio justamente em 2018, quando a A3 passou a focar em ajudar os clientes a evoluir na “jornada analítica”, o que incluiu oferta de serviços de estruturação de dados, criação de representações visual de informações importantes – os chamados dashboards – e implementação de modelos de inteligência artificial. Tudo isso falando com foco na principal linguagem empresarial: alto retorno financeiro. “Fizemos diversos atendimentos que envolvem a IA, como otimização de rotas, visão 360 do negócio, precificação, previsão de demandas e fraudes e métricas de churn rate, que indicam o quanto de receita ou clientes a empresa pode perder”, descreve Pereira.
Entre os cases de sucesso, o CEO destaca o do grupo hospitalar Mater Dei. Segundo ele, a rede enfrentava dificuldades de comunicação para gerir a escala dos colaboradores, problema que se intensificou com a pandemia e resultou em altas taxas de ocupação das unidades. “Para superar esse desafio, desenvolvemos uma solução de gestão de escala personalizada. Criamos uma plataforma com base nos dados de ocupação e registro de ponto, atualizada em tempo real, para oferecer uma visão clara da situação de cada setor e do trabalho dos colaboradores, indicando, por exemplo, a disponibilidade deles ou a necessidade de contratação de mais profissionais. Além disso, desenvolvemos um painel algorítmico para analisar a previsão de demanda”, relata o CEO. A implementação resultou em maior facilidade na gestão do controle de jornada, mais segurança no remanejamento dos colaboradores entre setores e unidades e redução de 85% nas horas extras. “O Mater Dei teve retorno sobre o investimento de 22,5% em dez meses”, contabiliza.
Outro cliente feliz com a inteligência artificial é o Laboratório Hermes Pardini, entre os três maiores do Brasil e que acaba de concluir fusão com o Grupo Fleury, de São Paulo. “A empresa enfrentava o complexo desafio operacional de distribuição eficiente de quase 200 tipos de insumos para mais de 6 mil laboratórios parceiros, com mais de 5 milhões de itens enviados. Havia grande volume de dados, muitos deles não estruturados”, revela Pereira. Acionada, a A3Data buscou otimizar esse processo e estabelecer uma correlação adequada entre os matérias-primas enviadas e os exames realizados, entendendo as necessidades de cada unidade, para evitar o excesso ou a falta de materiais. Para isso, integrou 46 diferentes bases de dados, construiu um histórico de envios, estabeleceu combinações apropriadas entre os diferentes insumos e, por fim, criou um sistema de modelo preditivo com informações estratégicas para a gestão de distribuição. “O Hermes Pardini conseguiu reduzir os custos, integrar suas fontes de dados, aumentar a satisfação dos clientes e tornar as informações mais transparentes para todos os envolvidos. Foi um projeto, inclusive, reconhecido mundialmente pela matriz da Amazon Web Services, a AWS, em Seattle”, aponta.
Internamente, o núcleo digital do Hermes Pardini também desenvolve tecnologias baseadas em inteligência artificial. Uma das inovações mais populares se dá pelo WhatsApp do laboratório: uma assistente virtual faz o agendamento direto, sem necessidade de ligação, e ainda disponibiliza o resultado dos exames. “Há três anos, fomos pioneiros na área de saúde a implementar o sistema de chatbot na América Latina, com uma interface simples e humanizada. Atualmente, calculamos que 70% dos nossos pacientes já utilizam essa ferramenta. Ganhamos, inclusive menção honrosa da Meta, empresa que controla o WhatsApp”, recorda João Alvarenga, diretor-executivo de TI e Digital do Hermes Pardini. Os clientes também têm a opção de receber notificações e acessar resultados por meio da assistente virtual Alexa, sem necessidade de abrir aplicativo, site ou qualquer outra plataforma.
Já o aplicativo para tablets e celulares oferece comodidades de forma automatizada, como pré-atendimento, agendamento, pedido de coleta domiciliar, resultado de exames com realidade aumentada e gráfico evolutivo, informações sobre unidades, exames, serviços e vacinas. “A tecnologia faz a parte burocrática toda previamente: inclusão do pedido médico, número da carteirinha do convênio, autorização e, por fim, o agendamento e o endereço da unidade mais próxima”, descreve Alvarenga. Uma vez no laboratório, os pacientes high tech podem se dirigir aos totens de autoatendimento, que fazem o check-in também de forma 100% automatizada.
Já a empresa de desenvolvimento de softwares Nextin tem apostado em técnicas da IA para criar facilidades a síndicos e gestores profissionais de condomínios. Seu aplicativo especializado, o Nextin Home, acaba de lançar a funcionalidade Next IA, para monitoramento de informações geradas pelos próprios condôminos e análises de dados, com foco em segurança, eficiência, agilidade e redução de custos. “Inicialmente, a Next IA atuará na produção automatizada de textos como comunicados, convocações de assembleia e infrações, mas já temos evoluções previstas para a funcionalidade de diagnóstico da gestão e as sugestões da IA para melhoria dos indicadores condominiais”, descreve Luana Caldeira, cofundadora e diretora de mercado da Nextin.
A remodelagem do app também inclui a nova funcionalidade Gestão X, um dashboard administrativo que fornece indicadores estratégicos atualizados em tempo real sobre as principais ações da rotina condominial – entram aí, por exemplo, o volume de encomendas e o número de acessos na portaria, com filtros por dias e horários. “A IA coleta e armazena os dados lançados dentro da própria rede do condomínio, analisando-os com base em algoritmos criados a partir do regimento interno, de forma customizada. Com isso, consegue nutrir os síndicos com informações atualizadas e permite que eles tomem decisões de forma pertinente e assistida”, explica Luana.
De Belo Horizonte, o Nextin Home se difundiu para 23 estados e, há três anos, chegou a um condomínio de prédios de Luanda, na Angola – “a expansão internacional não era nossa intenção, mas executivos brasileiros que moravam ali insistiram muitos”, conta. Também atende construtoras, que entregam o empreendimento com toda a tecnologia de gestão embarcada, por meio de um aplicativo “white label”, com marca personalizada. “O segmento de condomínios tem muito potencial no universo da inteligência artificial. Para o segundo semestre, estamos trabalhando no lançamento da funcionalidade XSafe, focado em segurança máxima”, entrega a diretora.
Ainda no quesito segurança, mas no universo digital, a empresa belo-horizontina Most Technologies aposta na tecnologia OCR, sigla para Reconhecimento Óptico de Caracteres, que consiste em converter uma imagem com texto num texto puro, permitindo armazená-lo em quantidade imensa de dados. “A função de um OCR é simples: um usuário fotografa um documento com a própria câmera do celular e, em seguida, usando o OCR, pode converter essa imagem num texto editável. Isso é possível com diversas extensões de imagem já conhecidas, como JPEG, PNG e GIF. No dia a dia de quem lida com documentos, é um recurso bastante prático”, esclarece Cristina Diez, engenheira de software e diretora comercial da Most.
A própria empresa foi além no conceito de OCR e passou a concentrar seus produtos numa base de leitura e processamento de dados por meio de uma tecnologia batizada de mostQI. Uma das ferramentas oriundas desta inteligência artificial é o iOCR – a letra i da sigla é a inicial de “intelligent” –, detalhe que faz toda a diferença na aplicabilidade. “O iOCR faz a extração de dados a partir de uma imagem que alcança a exatidão próxima de 98%”, explica Cristina. “Esse recurso, agregado a outras ferramentas, torna seu sistema capaz de identificar e extrair dados de mais de 1.500 tipos de documentos, e, por meio da IA, pode treinar novas redes neurais que amplia essa lista a cada instante.” Os dados, segundo ela, são extraídos eentregues de forma estruturada, o que confere segurança, agilidade, relevância e domínio sobre o manejo das informações.
Cristina destaca ainda que a tecnologia vem sendo aperfeiçoada todos os dias, e que esses avanços tendem a alcançar um grau de precisão que podem impactar ainda mais no tempo de execução de certos procedimentos da empresa. “O iOCR caminha a passos largos, para ser uma ferramenta cada vez mais imprescindível em organizações que necessitam do máximo de informações dos seus clientes, como no setor bancário e de logística. É outra revolução em andamento na inteligência artificial”, afirma.