Obras representam a física do som
Foto\Divulgação
Médico e artista une arte e tecnologia em obras feitas a partir de imagens de ultrassonografia de partes do próprio corpo
Uma forma inusitada de expressão, que contempla ciência, fotografia e arte simultaneamente, resultando em uma vasta obra com ritmos e cores. É esse o fruto de uma pesquisa de décadas, que não cessa, do médico e artista visual ítalo-brasileiro Gui Mazzoni. Ele cria figuras abstratas geradas a partir de imagens de ultrassonografia de partes do próprio corpo. São “Sonofotografias”, como ele próprio batizou, referenciando fotografias dos sons.
Não é grafia da luz, e sim do som”, diz Eder Chiodetto, seu curador, que desafiou Mazzoni a criar uma série de dez obras premiadas na última edição do Prêmio Conrado Wessel de fotografia, cujo tema relacionava arte e ciência da computação. Mais recentemente, sua obra esteve exposta na Associação Médica de Minas Gerais. E o que ele mostrou é que é possível unir arte e tecnologia, como ele mesmo diz, “subvertendo os padrões constituídos, dentro do respeito e da ética”.
O médico e artista representa a física do som, que não é visto e nem audível em alta frequência, em arte. Quando usa o aparelho ultrassom de sua clínica para produzir e revelar imagens do próprio corpo, Gui Mazzoni subverte o método ultrassonográfico, submetendo o seu equipamento ao modo diverso para o qual foi concebido.
O filósofo Vilém Flusser (1920 – 1991), que debateu muito sobre a fotografia, dizia que as possibilidades de uso do equipamento fotográfico são definidas pelo engenheiro que construiu a máquina. Então, nós não devemos ser um funcionário do engenheiro. Não devemos ser o operacional da estratégia alheia”, justifica a transformação das imagens digitais em pura arte.
“ Trabalho muito na questão da arte conceitual, que me agrada muito. E acredito que ela é uma expressão metafórica da essência humana, para que o artista consiga materializar sua essência através de uma obra de arte. A questão mais relevante, para isso, é elevar seu autoconhecimento”. Esse tipo de debate, juntamente com a implicação que a arte tem na sociedade, é uma das propostas lançadas pelo artista visual.
Quem teve a oportunidade de ver a exposição de Gui Mazzoni na Galeria Singular recentemente, pôde apreciar a arte dele de algumas formas bem especiais. Além das obras expostas nas paredes da galeria, ele utilizou backlights, de modo que o visitante pudesse interagir ao visualizar imagens através de caleidoscópios espelhados. Dessa forma, o artista ampliou as possibilidades do público em geral apreciar sua arte em incontáveis imagens que se formavam, que talvez, sejam inéditas até para o próprio artista.
A utilização de cores também chama a atenção, elas aparecem em muitas imagens sequenciais e abstratas. Quando fazemos exames de ultrassom, vemos os médicos usarem só duas cores contrastantes na tela. Na obra de Gui Mazzoni, não. “O meu curador, de São Paulo, Eder Chiodetto, me fez várias provocações sobre o uso de cor. Em um exercício, vi que minha aura é azul e usei-a como uma das cores para representar minha energia. A arte é a essência do artista. Ali está representada a parte conceitual, orgânica e energética”.
Gui Mazzoni não se apaixonou por fotografia por acaso. Em casa, o pai fotógrafo foi uma inspiração para o garoto adolescente que usava uma Kodak de plástico. Mas a medicina já estava nos planos desde cedo. O trinômio ciência + arte + tecnologia veio com o tempo. Dos 60 anos de vida do médico e artista visual, 37 são dedicados à profissão médica, 33 à ultrassonografia e desde a adolescência à fotografia. Depois de formado e de fazer residência em ginecologia e obstetrícia, fez mestrado e doutorado com ênfase na ultrassonografia. Atualmente, concilia um pós-doutorado em arte e tecnologia na Escola Guignard, com exames de ultrassom em sua clínica, aulas que ministra e pesquisa e produção artística.
“No meu pós-doutorado estou fazendo a representação do som em modelos tridimensionais, verdadeiras esculturas, para tornar minha arte mais inclusiva. A partir de esculturas impressas em 3D, uma pessoa com deficiência visual, por exemplo, pode tocar a obra e sentir a representação da tridimensionalidade do som”, propõe o artista, além de uma maior interatividade com sua obra. Agora, é aguardar a próxima exposição.