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A FELICIDADE PODE SER APRENDIDA

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FOTO:freepik.com

MARIELA SILVEIRA

Fundadora da ONG @mente.viva e diretora técnica do Kurotel diz que rede de relacionamento é o fator mais importante para a pessoa se sentir feliz

 

A felicidade existe? Estudos mostram que existe sim, mas é preciso ser cultivada, percebida e construída, segundo a dra. Mariela Silveira, que entende a felicidade como uma “construção multidimensional da vida”. Como fundadora da Ong @mente.viva e com base no trabalho que desenvolve no Kurotel, onde é diretora técnica, Mariela ressalta que o assunto envolve a questão física, emocional, intelectual, relacional e espiritual e ressalta que a rede de relacionamentos está no topo dos aspectos considerados pelas pessoas para se sentirem felizes.

A FELICIDADE EXISTE OU É UMA PALAVRA QUE EXISTE NO NOSSO IMAGINÁRIO?

 A felicidade existe. Entretanto, às vezes as pessoas têm uma distorção em relação do que deve ria ser a felicidade ou têm uma expectativa de ser algo perfeito, ou um estado permanente a ser atingido, onde não há nenhum desconforto. Isso, sim, não é verdadeiro, mas a felicidade existe. O que às vezes atrapalha é um conceito distorcido, que é sustentado também por uma propaganda que não é verdadeira, com relação ao que seriam os parâmetros de sucesso e de felicidade.

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ESSES PARÂMETROS ESTÃO LIGADOS A BENS MATERIAIS, MAIS DO QUE A SENSAÇÃO DE BEM-ESTAR?

Esses parâmetros estão mais ligados aos bens materiais, sem dúvida. Muitas vezes as pessoas imaginam que, para serem felizes, têm que adquirir tal coisa ou conseguir tal objeto, tal casa, tal carro. Mas elas estão também ligadas a outros fatores que têm a ver, sim, com expectativas. Por exemplo, quando eu casar eu serei feliz. Ela tem a ver com quando eu fizer tal coisa vou ser feliz.

E, na verdade, a gente vê que a felicidade está no meio do caminho e não somente na chegada. O que estou falando é baseado em trabalhos. Além disso, ela, a felicidade, é sustentada por algo que parece que a pessoa se encontra sempre em um nível de satisfação plena. As redes sociais são um fator que acaba estimulando muito essa visão distorcida porque, via de regra, as pessoas ali postam aquilo que convém e que pode parecer que a vida seja de uma determinada forma que não é.

Essa busca foi muito fomentada com os compartilhamentos nas redes sociais, onde existe uma falsa expectativa de que há um padrão a ser alcançado para que, então, o indivíduo seja feliz. E, além disso, tem mais uma outra questão importante, que muitas vezes as pessoas se distraem com aquilo que é prazer. O prazer é claro que é importante. Pode ser bom, não tem nada de errado, mas ele não é a felicidade. Mas ele está num caminho, numa tentativa, muitas vezes, da pessoa se encontrar com algo mais satisfatório. Só que esse caminho é efêmero.

Então, por exemplo, muitas pessoas nessa busca da felicidade terminam tendo comportamentos que as deixem satisfeitas e nas suas necessidades, como, por exemplo, acabam indo atrás da comida como uma forma de adicta. O açúcar ou álcool acabam tendo um papel de tentar acomodar alguma emoção e trazer satisfação e relaxamento. As drogas, o cigarro, as compras compulsivas.

Vemos que determinados comportamentos podem ser utilizados na tentativa de se encontrar essa satisfação. Logo a pessoa percebe que isso não traz uma realização. Enfim, estamos vivendo um momento bem intenso porque as ofertas, os estímulos do prazer como forma de uma recompensa, uma forma de tentar trazer uma satisfação, são bem grandes, são tão tenta dores, disponíveis. Ao mesmo tempo que vemos isso, vemos essa frustração e essa tentativa das pessoas de encontrarem alternativas mesmo, irem mais a fundo na busca do que seria a felicidade.

MUITAS PESSOAS BUSCAM NAS REDES SO CIAIS MOSTRAR A MELHOR POSE, A ME LHOR CASA, A MELHOR VIAGEM. AS DIFI CULDADES PARA CONVIVER COM O MUNDO REAL LEVAM ÀS DROGAS E ÀS BEBIDAS?

Também, mas acho que não é o único motivo. No entanto é, principalmente, quando nós estamos falando de cérebros mais imaturos que estão expostos a isso. Um adolescente fica mais suscetível ainda a essa comparação e aos sentimentos relacionados à depressão, à frustração, à desvalia, a ou a menos valia. Isso é bastante comum. Há a busca por essas adicções que podem ser diversas. Uma delas é essa frustração, mas a outra é tentar preencher um vazio existencial.

A pessoa não encontrou a sua habilidade, o seu dom ou uma forma mais saudável de se relacionar com a vida entregando alguma habilidade também para o contexto da sua socialização, e isso é um fator super importante para a felicidade. E aí ela acaba buscando uma tentativa de refúgio. Aí é essa oferta das drogas, por exemplo, elas são bem convidativas e caem como uma proposta que às vezes tem uma aceitação grande nessas pessoas, que não estão ainda bem encontradas.

Agora, os componentes que vão levar realmente à felicidade de fato são outros. Eles mexem inclusive com os neurotransmissores. Não só com isso do prazer, mas coisas que têm a ver com o significado de vida, coisas mais profundas.

EXISTE UM CAMINHO PARA A FELICIDADE?

Existe. E a gente precisa entender que, número um: a felicidade pode ser aprendida. Isso é muito interessante, porque algumas pessoas partem do pressuposto de que “eu não sou feliz, a felicidade não é para mim, nada tenho que fazer, não nasci feliz”. Mas não, a felicidade é algo que pode ser aprendido. E, o segundo ponto importante, ser desenvolvida. Por isso a importância da ciência da felicidade, do estudo, para que a gente possa compreender quais são os caminhos. E eles vão passar por algumas dimensões diferentes. Uma é a dimensão do físico mesmo. É importante que o corpo esteja bem, bem nutrido, em bom funcionamento, porque dificilmente uma pessoa que esteja experimentando uma dor muito violenta vai se sentir satisfeita, feliz nas suas funções, porque a dor tira bastante esse aspecto do humor.

A saúde física é algo que acompanha essa questão toda. Mas tem a dimensão do intelectual, a pessoa se dedicar a alguma questão, estar motivada para ter um estudo, para ter um desenvolvimento intelectual.

 Isso é um dos outros ingredientes estudados e que é importante também. Outro aspecto é o relacional, que tem a ver com os relacionamentos em si, com as conexões. Esse é um aspecto, pelos estudos feitos até agora, o mais relevante de todos para a felicidade. Ele fala de conexões verdadeiras, daquilo que a pessoa sabe que pode contar com alguém quando precisar.

De ter um momento olho no olho, redes de apoio verdadeiramente de amigos. Esse é o fator mais importante. Ele foi tão importante quanto o não fumar para questão de expectativa de vida. Em relação ao estudo de felicidade ele foi o número um.

É A QUESTÃO DO AFETO, NÃO É?

 Exato, isso é certo. É a nossa questão de maior relação com a humanidade. Aquilo que nós temos, a empatia, a compaixão, a capacidade de se emocionar com outros, de trocar afeto. Esse é o ponto chave e que a humanidade tem se esquecido, que é o mais necessário, inclusive para esse momento, agora, de tanta inteligência artificial. O aspecto emocional é que seria a quarta dimensão. Ele vai falar de estimular também as emoções que são relacionadas a algo mais positivo, por exemplo, a gratidão, ao agradecimento de cada momento da vida em cada etapa, não somente na chegada, mas durante o acontecimento, o otimismo.

São fatores importantes e que podem ser trabalhados bem. Existem técnicas para que a gente possa deixar isso mais presente na vida da pessoa e, de fato, isso faz a diferença. A resiliência entra nesse aspecto, na dimensão do emocional, e tem o aspecto espiritual. Tem um modelo defendido que é o modelo Spirit, que começa pelo espiritual. Não precisa ser religioso necessariamente, ele pode ser, mas é a percepção de que existe algo a mais ou uma conexão com algo divino, com algo que seja mais grandioso.

 Nessa percepção, quando a pessoa tem uma prática da sua fé, ela pode, de alguma maneira, ter um fator protetor, não só porque ela pode fazer escolhas de comportamentos mais saudáveis, isso já foi visto, mas também ela tem uma confiança de que as coisas acontecem e se resolverão. Isso é aumentar a confiança na percepção do futuro. Ela é mais aguçada nas pessoas que estão conectadas com a sua fé. Isso é um fator protetor também para a felicidade.

 Enfim, então são essas as cinco dimensões fundamentais. Existem outras teorias, mas esse é um modelo bem recente e bem estudado, que mostra que realmente todas essas dimensões são passíveis de serem desenvolvidas. Às vezes a gente vê algumas pessoas com desesperança tão grande e observa que, se cuidar de determinados aspectos, elas terão uma chance bem grande de se sentirem efetivamente bem.

 

 

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