Rodrigo Oliveira

Laços de família

Nina e Moema Parreiras fazem exercícios juntas: “somos competitivas”

Foto:Milene Marques

 

Esportes, artes manuais, pescaria, dança: mães e filhas contam como a prática de um mesmo hobby proporciona tempo de qualidade e ajuda a estreitar as relações

 

           Mães e filhos (geralmente) compartilham o mesmo corpo durante os meses da gestação e, após o nascimento, passam a maior parte do tempo juntos nos primeiros anos de vida. Com o curso da vida, e a necessidade de uma independência cada vez maior, é normal que a distância aumente e os momentos juntos se tornem mais esporádicos e raros. Para evitar que isso aconteça, e não deixar o laço afrouxar, muitas mães e suas filhas encontraram um hobby em comum para passar mais tempo juntas e continuar cultivando a relação.

         Dona de uma agência de turismo que oferece viagens de bike pela Europa, a empresária Moema Albernaz Parreiras chega a ficar vários meses fora de casa durante o ano. Alternando a vida entre o Brasil e outros países, ela afirma que a distância a fez valorizar ainda mais a relação com os filhos. “Tenho a Nina, de 14 anos, e o Davi, de 17. Ela mora aqui e ele reside nos EUA. Geralmente fico dois meses aqui e dois meses fora. Quando estou no Brasil priorizo meus filhos ao máximo”, garante.

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Nina e Moema Parreiras: mais assuntos em comum e muita diversão

         Apaixonada por esportes, Moema conseguiu fazer disso um hobby em comum com a filha. “Eu já fiz tênis, corrida, triatlo. Sempre gostei muito de me exercitar e a Nina tem ido pelo mesmo caminho. Ela faz dança e prática hóquei. Há alguns meses passamos a ir à academia juntas para fazer spinning e temos um ritual: toda semana experimentamos uma aula nova. Já fizemos box, crossfit. É superdivertido, pois somos bastante competitivas”, afirma.

        Além de fortalecer o vínculo familiar, ela aponta que o esporte também traz importantes ensinamentos sobre a vida. “Você desenvolve a disciplina, fortalece a autoestima e percebe que é capaz de superar barreiras e atingir objetivos. Também me ajuda a ter mais assuntos em comum com a minha filha e uma consegue acompanhar a evolução da outra”, diz.

         Para a jovem, passar um tempo de qualidade com a mãe é divertido e estimulante. “Ela tem razão quando diz que somos competitivas. Se vejo que ela atingiu um ponto eu tento alcançá-la, chegar ao mesmo patamar. Recentemente também fizemos um curso de maquiagem juntas, para ir às festas de 15 anos das minhas amigas. Adoro fazer coisas com a minha mãe”, declara Nina.

         O esporte também tem sido o elo entre a médica otorrinolaringologista Márcia Cristina Paula Gomes e sua filha Clara Gomes Francisco. A jovem, que estuda medicina e pretende seguir a mesma especialização da mãe, também segue os passos de Márcia na prática da corrida. “Comecei a treinar em 2017, influenciada por uma amiga que correu a maratona de Chicago. No início da pandemia chamei a Clara e passamos a treinar juntas”, relembra Márcia.

        Apesar de ter começado antes da filha na corrida, ela conta que foi Clara quem abriu o caminho para que elas levantassem novos voos. “Corríamos provas menores, até que ela teve a iniciativa de correr as maratonas do Rio de Janeiro e Nova York. Foi então que, aos 51 anos, tive a iniciativa de correr minha primeira maratona, de 42 km, em Chicago. Fizemos juntas em outubro do ano passado e foi muito especial”, recorda.

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Clara e a mãe Márcia Cristina Gomes correram juntas a maratona de Chicago

        Para Clara, o hobby tem estreitado ainda mais a relação entre as duas. “Por mais que a gente não corra junta o tempo todo, só de ter esse interesse em comum já ajuda a termos algo em comum. Conhecemos as mesmas pessoas dos grupos de corrida e dividimos um mesmo interesse que vai além da medicina”, reflete.

        Tanto amor pela corrida tem influenciado até a caçula Liz, de 8 anos, que inclusive já começou a correr e até completou uma prova de 5 km. “Meu sonho é que façamos, as três juntas, a maratona de Chicago algum dia. A cidade tem um forte simbolismo para mim, foi lá que tive a notícia da morte do meu pai, enquanto participava de um congresso, e também foi nossa primeira viagem internacional depois que a Liz nasceu”, diz Márcia.

        Em outros casos, após uma vida inteira de muito trabalho e esforço, mãe e filha encontram paixões em comum para manter a vida ativa. É o caso de Vanira Marcia Graciano e sua mãe Iris Diniz Graciano que, após se aposentarem do cartório da família, buscaram no crochê uma forma de passarem ainda mais tempo juntas.

         “Na verdade, eu já tinha aprendido o básico com a mãe dela, ou seja, a minha avó materna. Porém, minha mãe nunca tinha se interessado muito, ela dizia que preferia o tricô. Então, há alguns anos, ela pediu pra aprender e eu ensinei a ela tudo o que sabia. Depois, para nos aperfeiçoar, buscamos o ateliê O Fio da Trama há cerca de três anos e toda sexta-feira fazemos aula juntas”, explica Vanira.

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Iris e Vanira Graciano: aulas de crochê após a aposentadoria e pescaria no rol de atividades em conjunto

          Divorciada e mãe de dois filhos já casados, ela afirma que é uma felicidade ter tempo disponível para se dedicar à mãe. “Fazemos mercado juntas, passeamos. Na sexta-feira fazemos a aula juntas e já levo minhas coisas para passar o fim de semana com ela. Outra vantagem do ateliê é a interação, é uma delícia compartilhar esses momentos de alegria com ela”, diz.

            No alto de seus 90 anos, e viúva há 15, dona Iris esbanja alegria de viver e se orgulha em dizer que compartilha outros dois hobbies com a filha: a pescaria e as viagens. “Eu ia muito ao Pantanal com meu marido para pescar e, após a morte dele, convidei a Vanira para ir comigo. A cada dois meses participamos de alguma pesaria. Além disso, fazemos pelo menos duas viagens longas por ano. Minha filha é uma super companheira”, fala.

          Aos 57 anos, e também aposentada, a ex-servidora pública federal Lina Soares decidiu que, após anos dedicados à burocracia e ao manejo da papelada, investiria nas artes manuais para ocupar seu tempo. Começou no curso de pintura em cerâmica no Ateliê da Vila e, após duas aulas, ganhou a companhia da filha, a advogada Luiza Gonçalves Soares, de 27 anos.

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Lina e Luiza Soares: conversas no trajeto e interação nas aulas de pintura em cerâmica

        “Começamos há cerca de dois meses e fazemos uma aula de 3 horas de duração toda quinta-feira. É legal porque conversamos no trajeto, durante a aula e também interagimos com as colegas de curso durante o lanche que o ateliê oferece. É comum que os filhos se tornem cada vez mais independentes, então é bom criar esses momentos com eles”, diz.

        Lina, que já chegou a praticar quase um ano de beach tennis com a filha, também afirma que trabalhar com arte traz ensinamentos para ambas. “Acontece muito de você fazer algo, dar errado e ter que refazer. Nos ensina a ser menos perfeccionistas. Além disso, cada um tem diferente habilidades, cada um leva um tempo para fazer uma peça. É uma atividade bem terapêutica”, analisa.

        Outras vezes, compartilhar uma atividade em comum é uma forma de não se entregar à tristeza de um luto, um lembrete de que viver vale a pena. Após o falecimento do pai, em 2015, a empresária Mirian Fontenelle pensou em for[1]mas de manter a mãe ocupada e ativa. Passaram a fazer aulas de pintura em porcelana para enfrentar o processo juntas. “Era bem legal, pois tinham as outras alunas e a professora Juju, que dava aulas aos 94 anos. Para minha mãe foi uma fonte de inspiração ver uma outra senhora idosa tão ativa, tão cheia de vida. Outra coisa bacana foi que, ao se envolver com a pintura e interagir com as colegas, ela começou a falar sobre a perda e elaborar melhor o seu luto”, conta Mirian.

        Depois disso vieram outras atividades e as duas entraram na natação. A mãe já sabia o básico do esporte, mas a filha não. “O interessante é que é uma via de mão dupla, eu também aprendo muito com ela”, diz. Com a pandemia, elas pararam e veio então a dança como forma de ocupar o tempo e trazer alegria ao dia a dia. “Temos aulas em casa, o professor me ensina gafieira e depois ela pratica bolero, tango, forró. Quando ela se cansa eu entro na aula dela e dançamos juntas músicas antigas de Carnaval, ela sabe todas as marchinhas. Uma vez por mês também frequentamos um baile que o professor organiza na escola de dança. É uma festa”, comemora.

        Mirian também afirma que até as irmãs ficaram inspiradas a realizar mais atividades com a mãe. “É nosso papel inserir nossos pais em uma rotina mais saudável e não deixar que eles fiquem sozinhos em casa vendo a vida passar. Se for difícil sair, procure professores que dão aulas em casa. Organize a logística para que as atividades se encaixem nos horários. O importante é começar, as coisas vão se encaminhando aos poucos”, aconselha.

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Maria Edite e Mirian Fontenelle: “É nosso papel inserir nossos pais em uma rotina mais saudável”

        Para Juliana Marcondes Pedrosa, coordenadora do curso de psicologia da Estácio de Belo Horizonte, a iniciativa de começar um hobby pode partir tanto dos pais quanto dos filhos. O importante, segundo a profissional, é identificar interesses em comum e ter disponibilidade para praticar aluma atividade. “Também ocorrem situações em que os interesses não coincidam totalmente e alguém precise ceder para que a prática do hobby aconteça. O interessante disso é que alguém precisará se desafiar e experimentar algo novo para estar junto de outra pessoa. Isso fortalece os vínculos e é uma oportunidade de expandir seu campo de visão”, avalia.

        Para quem tem filhos pequenos, o simples ato de brincar também já é uma forma de estreitar a relação. “Crianças menores ainda não formaram gosto por um hobby específico. Então, sentar-se para ler um livrinho ou fazer alguma atividade lúdica já fortalece o vínculo. Hoje, com tantas tarefas a serem cumpridas, é essencial pensarmos em tempo de qualidade”, diz. Segundo Juliana, um hobby pode até mesmo ajudar os filhos a enxergarem os pais como figuras mais “humanas” e beneficiar ainda mais a relação. “Praticar uma atividade também significa demonstrar suas dificuldades e frustrações. Demonstrar fragilidade abre espaço para relações mais íntimas e oportunidades de troca entre pais e filhos. E isso não significa perda de autoridade, mas sim que há diálogo. O filho não precisa enxergar os pais como uma fortaleza o tempo todo”, aponta.