Estilo de Vida

CILA AOS 50

Cila Borges

Distante do mar, marca de moda praia 100% mineira comemora cinco décadas pautadas pela inovação e atenção às revoluções de comportamento

 

desfile nos anos 70

 

“Meio século! O que é isso? Nem eu imaginava que estaria viva 50 anos depois!” A exclamação vem de Maria Cecília Borges, a fundadora da Cila, marca belo-horizontina especializada em beachwear, que completou 50 anos em agosto. Figura elementar na história da moda mineira, a Cila viveu e surfou todas as ondas do mercado ao longo das últimas cinco décadas e demarcou seu nome no mercado nacional, uma façanha para uma empresa familiar, nascida e sediada longe do balanço do mar.

A data exata do aniversário é comemorada em 5 de agosto, dia de abertura da primeira loja, em 1973, em uma garagem na rua Pernambuco, na Savassi, mais especificamente no quarteirão entre as ruas Cláudio Manoel e Santa Rita Durão. Mas o embrião veio um pouco antes, no fim dos anos 1960, tempos em que a tradicional família mineira, a TFM, reinava absoluta nas Alterosas. Point dos bem-nascidos, o Minas Tênis Clube não permitia que as mulheres usassem biquíni. Mais moderninho e então recém-inaugurado, o PIC, na lagoa da Pampulha, já havia liberado a dupla peça, motivando até certa disputa entre as turmas.

Foi então que Maria Cecília começou a produzir seus próprios biquínis, inspirados no maiô “engana mamãe”: por trás, o modelo era exatamente como um biquíni, mas, na frente, contava com um pano extra, ligando a calcinha ao sutiã e escondendo o “indecoroso” umbigo. A peça se tornou um sucesso no Minas, e todas as frequentadoras queriam um modelo “igual ao da Cila”, como Maria Cecília era conhecida. Com um que de subversiva e revolucionária, ela aceitou as encomendas e começou a produzir os biquínis em casa, no bairro Anchieta.

O entra e sai de clientes passou a incomodar a família, e a jovem sentiu que já era tempo de ser dona do próprio estabelecimento. Melhor: uma “boutique”, palavra francesa que acabava de entrar para a cultura da moda. “Ser dona de uma butique me fissurava demais, brilhava meus olhos. Eu já não costurava, tinha duas funcionárias, e a loja se tornou ponto de encontro. Era uma farra!”, recorda Cila. Desses tempos, ela destaca um detalhe diferencial, do qual a marca foi pioneira: a possibilidade de a cliente adquirir as peças de sutiã e calcinha do biquíni em tamanhos diferentes.

desfile nos anos 80

Com o tempo, a garagem ficou pequena, e, em 1976, a marca passou a ocupar um sobrado, também na rua Pernambuco, na esquina com a rua Cláudio Manoel. De início, a loja ficava embaixo, e a produção, no andar de cima. Com o aumento da demanda, a fábrica teve que se mudar para uma casa na rua Alagoas, e os dois pavimentos do casarão foram adaptados para atender a clientela.

Sempre atenta às tendências de moda e com[1]portamento que vinham do Rio de Janeiro, Cila tornou sua marca objeto de desejo em Belo Horizonte. Do fio-dental ao asa-delta, do cortininha ao tomara-que-caia, dos sunquínis às tangas, dos cavados aos meia-taça: todos os figurinos, em suas formas e modelagens, passaram pela marca. E com estrondo. Na onda das luzes estroboscópicas das discotecas, capitaneada pela no[1]vela “Dancin’ Days”, a grife promoveu um desfile na pista de dança da então recém-inaugurada Jambalaya Disco Club, em 1978, a primeira casa do gênero na cidade e sensação entre a moçada – para usar uma expressão da época. “Lembro que as modelos desfilaram ao som de Rita Lee”, conta a empresária.

A comunicação arrojada com os clientes também passou pelas vitrines temáticas assinadas por Carlos Ferrer. Em 1987, por exemplo, o artista plástico bolou um vitrinismo em que os manequins portavam máscaras de oxigênio e capacetes e palavras de ordem como “Nuclear Não”, em referência ao acidente radiológico com Césio-137, em Goiânia. Já em 1989, ano da primeira eleição direta para presidente, a marca aderiu ao slogan “Quem vota faz a hora”. “Montamos uma vitrine apartidária, com bottons e adesivos de todos os candidatos. Éramos a favor da democracia, das eleições diretas”, pontua a jornalista Mara Borges, irmã de Cila e consultora de comunicação, marketing e atendimento ao cliente da empresa desde os anos 1980. Outro ponto alto foi a vitrine em comemoração à libertação de Nelson Mandela, depois de 27 anos aprisionado por seu envolvimento na luta contra o apartheid, na África do Sul. Para a celebração, em fevereiro de 1990, a Cila montou um cenário de inspiração africana, composto por manequins pretas, adornadas com colares afro.

desfile em 94

A loja na avenida do Contorno, aliás, sempre se destacou por sua arquitetura inovadora, receptiva e atualizada. Inaugurado em 1984, o espaço passou por diversas reformas desde então. Em 1997, por exemplo, recebeu o trabalho de cores nas paredes, em uma criação do artista plástico Marcelo Xavier. Já em 2005, o arquiteto Saul Vilela trouxe para o ambiente uma comunicação visual desconstruída. “Foi uma reforma radical e inovadora, com móveis antigos em diálogo com uma plástica underground e high tech”, descreve Mara, lembrando que, na ocasião, a coleção de verão foi fotografada no local, durante os trabalhos de retrofit. A estética agradou tanto que se estendeu à unidade do BH Shopping, inaugurada em 1998, com projeto inicial de Gustavo Penna: segundo Mara, a reforma acompanhou a identidade da matriz, mas manteve uma orientação mais objetiva, adequada ao perfil do centro de compras. A Cila chegou a ter ainda uma terceira unidade, na avenida Augusto de Lima, no Centro, que funcionou entre 1990 e 1991.

Acompanhar as mudanças de costumes trouxe oportunidades de negócio. Nos anos 1990, Cila captou o boom da aeróbica e lançou roupas de ginástica coloridas, leggings e polainas. Era a deixa para a criação de uma nova marca, a Jump, específica para a moda esportiva, em 1993. O lançamento, claro, foi ruidoso, com um show aeróbico coreografado em frente à loja da avenida do Contorno e uma premiada campanha publicitária em outdoors, comandada pela agência Lápis Raro. A Jump ainda passou a patrocinar atletas de diferentes campeonatos, criando peças exclusivas para favorecer a performance e os resultados.

de volta em 2010

A tecnologia têxtil foi outra conquista do setor. Se no princípio era a lycra que dava as cartas, com o passar do tempo, a Cila passou a investir em tecidos confortáveis e sustentáveis, destinados à área do sportswear. “A lycra permanece, para dar elasticidade às peças, mas a com[1]posição teve o agregamento de fios de poliamida, que permitem a passagem do suor e a secagem rápida. Essa evolução conversou muito também com a moda praia”, diz Mara.

A chegada de Tetê Vasconcelos, filha de Cila, em 2007, trouxe uma nova virada de chave. Formada em design de moda, pela Universidade Fumec, ela assumiu a função de diretora criativa. “Trouxe o conceito de narrativa para as coleções, espelhadas, sobretudo, nas estampas, com a ideia de construir, de fato, uma história para além do produto”, diz Tetê.

Viajante incorrigível, a designer transportou para os biquínis e maiôs as rotas fascinantes que percorreu pelo mundo. Dentre elas, as coleções inspiradas no Egito, de 2010, com simbolismos como o ankh (chave da vida) e as asas da deusa Ísis; e na Índia, de 2020, em que homenageou diferentes deusas da cultura hindu, em tons de ocre e vinho. Já a mitologia grega ganhou espaço na coleção de 2011, traduzida por uma ninfa das águas, chamada… Cila. “Fotografei essa coleção na lagoa dos Ingleses, com lama até o joelho, com a modelo Marana Bispo. Desde que comecei a fotografar, nos anos 1990, era um sonho trabalhar para a marca”, conta o fotógrafo Márcio Rodrigues.

Tetê Vasconcelos também imprimiu nos prints seu amor pela água, a exemplo das coleções inspiradas nas belezas de Moreré, na Bahia, de 2009; e da Amazônia, de 2023. Outra característica foi o olhar artsy, traduzido nas peças com estampas de obras de Gaudí, em Barcelona, de 2008, fotografada por Weber Pádua; e em modelos inspirados nas macrofotografias de elementos da natureza do fotógrafo mineiro Cyro José, de 2016.

desfile no minas trend

Além disso, Tetê incrementou a linha Resort da Cila, aumentando as possibilidades de um guarda-roupa que transitava, ao mesmo tempo, pela praia e pelas ruas. Embrionado no fim dos anos 1980, o nicho foi inicialmente batizado de Cila Moda Passeio. A coleção original, feita em lycra, com modelos de vestidos, shorts, calças e blusas para momentos informais e o pós-praia, teve a modelo e a atriz Patrícia Naves como garota-propaganda: mineira de Patrocínio, ela figurou em várias novelas da TV Globo, como “Paraíso Tropical” (2007) e “Viver a Vida” (2010).

A propósito, quem também debutou na Cila foi ninguém menos que a belo-horizontina Daniella Cicarelli, em produção de Zeca Perdigão, em 2000, pouco antes de se tornar conhecida nacionalmente por um comercial da Pepsi e na novela “As Filhas da Mãe” (2001). Também causou rebuliço na cidade o lançamento da coleção do verão 97/98, que homenageou o centenário de Belo Horizonte. “Trouxemos para as estampas das peças fotos exclusivas dos principais monumentos da cidade, assinadas pelo fotógrafo Gustavo Lacerda, dentre eles o viaduto Santa Tereza e a praça Sete”, relembra Cila.

E não se pode contar a história da marca sem lembrar dos convites para participar de mostras internacionais, como a Feira Internacional de Munique, em 1985; e o Brazilian Prêt-à-Porter; em Nova York, em 1986. Nessa mesma época, Cila marcou presença nas três primeiras edições da feira de moda Minas Mostra Mulher, em Belo Horizonte, comandada pelo empresário Nilso Farias.

Pouco depois da chegada de Tetê, a Cila também passou a participar do Minas Trend, a partir de 2008; e do Fashion Business, no Rio de Janeiro: era o prosseguimento à estratégia de se firmar como uma marca de moda praia nacional, podendo assim, expor suas coleções em lojas multimarcas. O mercado se abriu, e a Cila marcou presença em dez capitais brasileiras, além de cidades do interior de Minas Gerais e de outros estados, especialmente Norte e Nordeste. Para dar conta da demanda da confecção, a empresa trocou a área fabril, então em um imóvel alugado no bairro Santa Efigênia, para uma fábrica própria, inaugurada em 2011 no bairro São Lucas. O espaço foi projetado pelo premiado arquiteto mineiro João Diniz e ocupa uma área de 1.800 m², com cinco pavimentos.

colecao 2019

Com a pandemia, porém, a Cila sentiu a necessidade de reestruturar o negócio. “Uma das primeiras medidas que tomei foi encerrar a loja do BH Shopping. Foi a melhor coisa que fiz. No lugar dessa unidade, passamos a investir mais forte no digital”, conta Cila. A empresária ainda tomou outra decisão drástica: alugou o prédio da fábrica e concentrou a produção no segundo andar da loja da Contorno. “Em alguns momentos, precisamos entender que menos é mais. Com isso, conseguimos reverter o momento e fechar o ano no azul”, contabiliza.

Mais compacta, a empresa chega aos 50 anos com a coerência de sempre: alinhada ao espírito do tempo. A marca continua a vender mais na unidade física, porém o e-commerce cresce significativamente. Nos últimos anos, a Cila deixou de investir no atacado e foca no varejo. “É a loja que me dá prazer, que me satisfaz. Não adianta ganhar muito dinheiro e não ter prazer na vida.

Tenho muito cuidado para não me tornar escrava do meu negócio”, pondera Cila, a empresária, com a sabedoria dos 50 anos de estrada. Para a efeméride, ela planeja uma exposição na sede da Contorno, com rodas de conversa, entre outros eventos.

Presente na loja diariamente, Cila, de certa forma, voltou ao início, quando, naquela garagem na rua Pernambuco, reunia as amigas. O futuro, admite, é uma incógnita auspiciosa. “Continuo com todo o gás e tesão para trabalhar, seguindo minha intuição. Fiz e faço aquilo que cabe dentro de mim, aquilo que dou conta.

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