Educação

RICA TROCA DE IDEIAS

vb ed296 outubro 25 b capa rica troca de ideias

As irmãs Letícia e Laila Pimenta: obras que conversam sobre a diversidade

FOTO\ DIVULGAÇÃO

 

Clubes do livro se espalham pela cidade e atraem pessoas interessadas em enriquecer a leitura e criar amizades

 

Enquanto um grupo de leitoras do Clube do Livro Letramento Racial se reunia, no último dia 29 de setembro, às 19h30, dentro do Festival Sempre Um Papo, no teatro da Biblioteca Pública Estadual, para falar sobre a obra Ponciá Vicêncio, de autoria de Conceição Evaristo, ocupante da cadeira de número 40, da Academia Mineira de Letras e primeira mulher negra a ocupar uma vaga na AML em seus 116 anos, ocorria um evento bastante significativo para a escritora mineira. Uma plateia acompanhava calorosamente a autora, ativista, professora, poeta, e ensaísta, na cerimônia de entrega do título de doutora Honoris Causa, pela UFMG, das mãos da reitora Sandra Goulart, no auditório da reitoria da universidade.

Esse episódio é relevante, não só por se tratar de uma das mais importantes escritoras mineiras e brasileiras da atualidade, mas também para reforçar o quanto a literatura é determinante nas nossas vidas e o quanto o crescente número de clubes de leitura ou clubes do livro, têm sido valorosos para a formação humana.

Quem participa, coordena e até faz a curado ria desses grupos, não discorda da afirmativa. “Os clubes do livro são espaços de fala respeitosa e escuta ativa e acolhedora. É um espaço terapêutico, de se identificar, com personagens, com histórias. A troca enriquece a própria leitura”, destaca uma das mais entusiastas formadoras de clubes de leitura, Ana Carolina Santos Oliveira Pantuza, 43 anos, mãe de duas crianças, for mada em direito, cursando letras, e ainda achou tempo para coordenar quatro clubes de livros.

vb ed296 outubro 25 b 2 rica troca de ideias

Ana Carolina começou o clube do Livro no Café VF, no Alphaville, em Nova Lima. Hoje, coordena, também, o Clube Ateliê VF, em BH. “Comecei em 2022, pós-pandemia, em busca de ritmo de leitura. Chamei uma amiga, que estava passando por um momento difícil, aí criei o Clube Literatura. Quando mudei para o Alphaville, abrimos para os encontros presenciais todo mês, inicialmente, agora são a cada dois meses. Não nos preocupamos se é lançamento, se é clássico. As escolhas literárias têm a ver com o momento do grupo. Tivemos, recentemente, a leitura de A Vegetariana, de Han Kang, prêmio Nobel de Literatura em 2024”, relata.

Ana Carolina conta que o Clube VF é composto por mulheres. “Criamos uma energia, entre nós, mais feminina”, revela. O último livro do clube foi Setembro Negro, de Sandro Veronesi. “Agora, as leitoras estão pesquisando a vida e a obra de Frida Kahlo”, adianta. E no Clube do 57 Livro VF Alphaville é a vez da leitura de Caderno Proibido, de Alba de Céspedes.

O Clube Literatura, também coordenado por Ana Carolina, que é o mais antigo dos clubes por ela direcionados, investe, no momento, em A Cabeça do Santo, de Socorro Acioli. E ela tem, ainda, um clube espiritual que abraça.

vb ed296 outubro 25 b 3 rica troca de ideias

Outro clube, o Clube do Livro BH, é um dos mais icônicos da cena literária. Ele completou 12 anos e sua história é marcada por tirar de uma depressão profunda, a sua fundadora. Letícia Pimenta, 35 anos, estudante de pedagogia, começou a sofrer de depressão por volta dos 20 anos. “Fiquei dois anos sem sair de casa. Fui influenciada pela leitura apor meio do meu irmão, 14 anos mais velho que eu. Foi ele, a minha inspiração. Ele colecionava HQ’s. Comecei a ler e junto com a minha irmã e mais outras duas pessoas, fundamos o Clube do Livro BH. Fui salva pela literatura”, confessa Letícia.

Hoje, ela e a irmã, a jornalista Laila Pimenta, contam que chegaram a contabilizar mais de dez mil passagens de leitores pelo clube e que no instagram são 21 mil seguidores. Os encontros literários, que chegam a reunir centenas de pes soas, segundo Letícia, acontecem cinco vezes por ano no Centro de Referência da Juventude (CRJ), espaço que cabe cerca de 250 pessoas, cedido pela prefeitura, na praça da Estação. Uma vez por ano, o encontro acontece no teatro Francisco Nunes, e chega a atrair mais de 400 leitores, segundo ela, que faz a curadora e coordenadoria do clube.

“A escolha do livro começa pelo tema. Atual mente, estamos com quatro títulos de suspense e nosso próximo encontro será no dia 25 de outubro”, avisa. As leituras são acompanhadas de bate-papo.

vb ed296 outubro 25 b 4 rica troca de ideias

“A curadoria das obras é sempre focada na quelas que conversem sobre diversidade, minorias. Temos muitos autistas que participam do clube. O livro salvou a minha vida e procuro retribuir àqueles que nos procuram para participar”, pontua a estudante de pedagogia, que agora propõe aos leitores um encontro para falar de Passarinha, uma obra que aborda uma criança autista, escrita por Kathryn Erskine.

A Livraria do Cineclube Belas Artes é outra boa pedida por apaixonados pelos clubes do Livro. Lá, são três e todos acontecem presencial mente no próprio estabelecimento. Quem cuida da curadoria e faz a mediação é a publicitária Ingrid Silva Mello. O Clube de Ficção Contem porânea, presencial, aberto e gratuito, como os demais, ocorre sempre na última quinta-feira de cada mês, às 19h30.

“Temos uma média de 35 a 40 frequentado res. São mais de dez anos de grupo de WhatsApp. Somos muito atuantes na cena cultural de BH e no instagram da livraria, disponibilizamos acesso ao clube, com canal de informação, não é um fórum. No final de cada encontro, colocamos três livros para votação. O pessoal escolhe. Em alguns casos, quando algum autor se prontifica a participar virtualmente, fazemos a mediação em encontro por vídeo, podendo, ele autor, ou autora, estar por vídeo e nós, presencialmente”, descreve Ingrid Mello.

vb ed296 outubro 25 b 5 rica troca de ideias

Outro clube interessante para os apaixona dos por poesia é o promovido pela Livraria do Belas Artes em parceria com a editora Fósforo, através do seu selo Círculo de Poema. O encontro é mediado pelos poetas mineiros Adriana Garcia e Renato Negrão. Toda segunda quinta-feira do mês acontece a reunião presencial, às 19 horas, na livraria.

O terceiro clube da livraria do Belas é fruto de uma parceria com o Instituto Cervantes e acontece na sede da entidade, na última quarta-feira do mês, sempre às 19 horas. Ingrid faz a proposição para a leitura de autoria hispanohablante. “Escolhemos obras de língua espanhola, traduzidas para o português, podendo ser autores e obras de qualquer país que fale a língua espanhola”, explica.

Ingrid Mello faz questão de dizer que os clubes que coordena prezam pela bibliodiversidade. “O clube de leitura é uma abertura de caminhos, de praticar a escuta que fazemos magicamente com muita harmonia. A curadoria tem essa premissa. É um espaço de troca, bate-papo com autores.

Em outubro, o Clube de Leitura do Belas vai debater a leitura de Anel de Vidro, de Ana Luisa Escorel. Já o Clube de Poesia do Belas investe em Paterson, de William Carlos Williams e Tanato grafia da mãe, de Isadora Fróes Krieger. A obra escolhida para este mês na parceria da Livraria do Belas com o Instituto Cervantes é Febre de Carnaval, de Yuliana Ortiz Ruano. Vale lembrar e reforçar, que todos os clubes abordados têm acesso gratuito.

A ginecologista Márcia Salvador Géo é uma quase novata nos clubes de leitura. Há cerca de um ano, ela tem um novo encontro marcado com amigas, sempre na segunda terça-feira do mês com uma alegria nova: a troca de pontos de vista – às vezes opostos, inusitados, como ela define que as discussões sobre as obras proporcionam. Após anos dedicados à atividade profissional, incluindo a direção executiva do hospital Mater Dei e à leitura de artigos científicos e textos técnicos, Márcia procurava uma atividade que enriquecesse sua visão de mundo. Encontrou o Clube do Livro da Kika. “Como médica sem pre tive contato com as alegrias e angústias das pessoas, que reagem de modos diferentes. Mas o clube de leitura ativa outros espaços subjetivos e mentais, novas conexões”, diz ela. “A cada encontro percebo que saio maior do que entrei.”

vb ed296 outubro 25 b 6 rica troca de ideias

Ela conta que a diversidade de perfis dos integrantes do clube é um atrativo à parte: outros médicos, escritores, advogados, cabeleireiros, “vivências diferentes com um interesse em comum”, diz ela. Dois livros a marcaram em especial nestes encontros: O Colibri, de Sandro Veronesi, e A Livreira de Paris, de Kerri Maher. Agora, o clube está se dedicando aos autores russos.

Márcia até pode ser quase novata, mas a idealizadora do Clube do Livro da Kika, Christiana Gontijo Barbosa, é veterana na atividade de frequentar e coordenar grupos de leitura. Há 17 anos, ela criou a agremiação que leva seu nome e tem 45 membros em idades entre 23 e 85 anos. Segundo ela, não entra mais ninguém.

“Temos uma fila de espera caso haja desistência.” Decoradora de profissão, leitora de coração, Kika se define como uma leitora voraz. Em 2025, até o momento, já leu 32 livros. Ela fundou o clube porque sentia falta de ter com quem de bater o que lia. “A leitura é um hábito, por vezes, solitário”, diz ela. As reuniões eram na Casa Bonomi, no Funcionários. A princípio, eram apenas três pessoas no espaço, que tem uma mesa comunitária e muitas delícias inspiradas nas boulangeries parisienses.

“O nosso clube recebe autores, editores, tradutores, brasileiros e de outros países. Também vamos a exposições e viagens culturais.” Carla Madeira, Carlos Marcelo, Xico Sá, Rafael Montes, Peter Rossi são alguns dos escritores que o Clube do Livro da Kika já recebeu in loco. “O livro é só o pano de fundo para debatermos a vida, o mundo, os sentimentos”, reflete Kika. E, como o mundo é um vasto mundo, como disse o poeta Carlos Drummond de Andrade, Kika criou mais um clube: o Nova Bossa, que faz parte de um projeto que oferece experiências por meio de arte, literatura e eventos culturais.

“Nunca sou a mesma depois dos encontros literários com a minha turma genial ! São eles que me fazem ampliar meus horizontes e ver a vida com outras lentes”, diz Kika, ecoando a célebre máxi ma do filósofo Heráclito de Éfeso: “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou.”

PARA VER

Filmes que falam de clubes de leitura

– “Do Jeito que Elas Querem” (2018) Com Diane Keaton, Jane Fonda, Candice Bergen. Dirigido por Bill Holderman

– “Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batatas” (2018) Com Lily James, Michiel Huisman e Matthew Goode. Dirigido por Mike Newell

– “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989) Com Robin Williams, Ethan Hawke, Robert Sean Leonard.Dirigido por Peter Weir

– “O Clube de Leitura de Jane Austen” (2007) Com Maria Bello, Amy Brenneman, Jimmy Smits.Dirigido por Robin Swicord

Compartilhe