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Cientista brasileira nos Estados Unidos relata apreensão com medidas do governo Trump; Europa anuncia investimentos para atrair pesquisadores
“Por aqui, tudo caminhando, mas bem difícil. Nunca foi tão difícil.” A fala é da cientista e professora universitária brasileira M.F.D., pós-doutora que mora nos Estados Unidos há pelo menos 20 anos. Devidamente documentada e cidadã do país, mesmo assim, prefere não se identificar. Ela também concedeu entrevista à rede CBN sob a mesma condição. Outros cinco pesquisadores, nem mesmo anonimamente quiseram dar depoimentos: “Estamos procurando emprego e já enviando currículos”, contou M.F.D.
O ponto “onde tudo começou” pode ser considerado o mês de janeiro deste ano, quando o presidente Donald Trump assinou ordem executiva contra os programas de Diversidade e Inclusão (DEI) que abrangem políticas afirmativas de contratação, treinamento sobre viés inconsciente e preconceito, auditorias de equidade salarial. Críticos dos programas DEI afirmam que são discriminatórios, deixando outros grupos em desvantagem.
Na avaliação de Trump, particularmente os americanos brancos estariam em situação desfavorável. Em março, veio a censura a termos usados em comunicações científicas e propostas de financiamento. De acordo com o jornal New York Times, 97 palavras e expressões deveriam ser excluídas da comunicação oficial. Entre elas: antirracismo, energia limpa, orientação, histo ricamente, mulheres, transexual, pronomes, trauma.
A pesquisadora cita que vieram cortes de 50% em verbas do National Science Foundation – agência governamental americana de pesquisa e educação – demonstrando a intenção do governo norte-americano de pôr fim aos investimentos científicos. “Vivemos um momento anticiência nos Estados Unidos, de destruição. Tenho amigos da Nasa que foram mandados embora sem justificativa pois a pessoa foi contratada porque havia uma campanha para aumentar a diversidade”, explica, atônita.
“Estamos todos muito ansiosos com isto. Eu ando com meu passaporte americano para mostrar caso me peçam. Existe uma caça às bruxas.” Nos Países Baixos, cientistas que monitoram florestas em todo o mundo rela taram ter recebido e-mail do United States Geological Survey (Serviço Geológico). Uma lista de 36 perguntas estava anexada com a indicação de que o envio havia sido ordenado pelo Escritório de Gerenciamento e Orçamento dos Estados Unidos.
Havia questionamentos do tipo: Você pode confirmar que sua instituição não recebeu subsídios da República Popular da China? Você pode confirmar que seu projeto não está relacionado a direitos climáticos ou ambientais ou mesmo apenas a elementos destes direitos? A orientação dos Países Baixos a seus cientistas foi não responder às perguntas. A Universidade de Harvard tem cerca de 27% de alunos internacionais e teve mais de US$ 2 bilhões retidos e cerca de 6.800 alunos proibidos de se matricula rem. Repasse do mesmo valor foi cortado da Universidade Cornell e da Universidade Northwestern.
Professores foram afetados com o bloqueio de US$ 65 milhões. M.F.D explica que, quando os alunos têm seus financiamentos interrompidos, o professor é atingido. “É muito triste por que eles vêm para cá em busca de uma oportunidade transformadora e têm o tapete puxado. Cai a ciência toda; os estudantes internacionais formam a maior parte dos pesquisadores dos Estados Uni dos.” A cereja deste bolo indigesto foi colo cada pelo secretário de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, Robert F. Kennedy Jr., ao demitir, em 10 de junho, os 17 integrantes do Comitê Consultivo sobre Práticas de Imunização, sobre as recomendações de vacinas. A internacionalização do conhecimento não é nova, mas o intercâmbio científico intensificou-se a partir do início do século 20, com as agências bilaterais e as concessões de bolsas de estudos. M.F.D acredita que até o final do ano a situação será ainda pior e o país irá experimentar a fuga de cérebros.
“CAI A CIÊNCIA TODA; OS ESTUDANTES INTERNACIONAIS FORMAM A MAIOR PARTE DOS PESQUISADORES DOS EUA”
Não por acaso, a revista científica Nature publicou, em março, uma consulta a 1.600 cientistas em que mais de 75% da amostragem afirmaram pensar em deixar os Estados Unidos por conta das políticas do governo atual. “Quem tinha contato com os Estados Unidos, não virá. Ficará na Europa ou talvez em seus países de origem.” Alguns países despontam como refúgios para os pesquisadores.
É o caso da França, que já se declarou um local seguro para a ciência. A União Europeia tem 500 milhões de euros para investimento e lançou o programa: Choose Europe for Science – Escolha a Europa para a Ciência. O ex-presidente François Hollande, agora deputado, apresentou um projeto de lei na Assembleia Nacional para criar o estatuto do refugiado científico. “O Brasil também pode se beneficiar com isso. As perspectivas não são boas para os Estados Unidos”, lamenta M.F.D. Nestas alturas, as perspectivas não são boas para quase ninguém.