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Estamos pagando o preço do abandono das prisões

Preco pelo abandono as prisões

Foto:Divulgação

Sociólogo fala que sistema mal administrado propiciou a criação do crime organizado e que situação está fora do controle

 

A violência está aumentando no país e, em algumas cidades, o sinal é de que o crime organizado e as milícias dominam não só vilas e favelas, mas todo sistema social. Em todos os setores, no governo, no Judiciário, no Ministério Público, nas polícias, não tem nenhum órgão que não tenha a mão desses grupos organizados, segundo o coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública da PUC Minas, Luís Flávio Sapori, que acrescenta que a população está pagando um preço alto por esse domínio do crime.

 

O Brasil está perdendo para a violência, em alguns lugares em especial, como no Rio de Janeiro e na Bahia?

               As crises de segurança pública mais recentes, que são do Rio de Janeiro e da Bahia também, são crises muito comuns na história recente do Brasil.

               Diria que nos últimos 30 anos nós tivemos situações de crises de violência exacerbada, de desafio do crime organizado de maneira recorrente. Essas crises são crônicas nas últimas décadas no Brasil e, em alguns momentos, a violência exacerbada ou manifestações de desafio às autoridades pelo crime organizado vêm à tona. Eu diria que não tem novidade nenhuma. São crises que volta e meia se apresentam no cenário da segurança pública do Brasil, revelando que a situação é muito grave. Isso já vem de longa data. Não é que a situação esteja piorando ou piorou esse ano. Na verdade, a situação já é grave há muito tempo.

 

 Essa situação está ficando incontrolável?

                Eu diria que a situação do Rio de Janeiro é a mais grave do Brasil nesse sentido. A situação lá pode-se dizer que já está fora do controle do aparato estatal. Mas a situação do Rio de Janeiro não é um exemplo do que acontece no restante do Brasil. Então a gente tem que ter muita cautela para não generalizar, por exemplo, a situação das milícias no Rio de Janeiro ou do domínio territorial que as facções do tráfico de drogas alcançaram na região metropolitana do Rio de Janeiro. A situação das milícias não tem precedentes no território nacional. Nós não temos notícias de nenhuma outra região do Brasil, onde um fenômeno similar aconteça. Na verdade, as milícias são verdadeiras máfias, que vivem da extorsão de moradores, comerciantes e de atividades econômicas ilícitas diversas, com domínio territorial constituído.                   

             Nós não temos notícia em outras regiões do Brasil onde fenômeno assim aconteça de uma maneira tão intensa, tão nítida, tão explícita. A situação do Rio de Janeiro, não só da cidade, mas da região metropolitana, em especial, é uma situação que se assemelha a do México, onde grande parte do território do país está sob domínio dos cartéis do narcotráfico ou do crime organizado.

 

É uma cidade dominada pelo crime?

               Na região metropolitana do Rio de Janeiro, infelizmente, mais da metade do território já é dominado, ou pelas facções do tráfico ou pelas milícias. O estado de direito, enquanto instituição política, não vigora, ele não tem o monopólio da força física na região metropolitana do Rio de Janeiro. Esse fenômeno vem se agravando desde a década de 1990 e ninguém lá fez nada por uma razão muito simples: a política do Rio de Janeiro está muito contaminada. As instituições políticas, as Câmaras municipais, prefeituras, Assembleia Legislativa, Judiciário, polícias, de alguma maneira estão com ramificações do crime organizado, principalmente das milícias. Então ela já penetrou nas várias instituições do poder público. O nível de corrupção das instituições públicas do Rio de Janeiro não tem precedentes no território nacional. Por isso que é um caso que merece atenção especial e os sucessivos governos federais, até Bolsonaro, nunca se preocuparam em, de alguma maneira, dividir a responsabilidade para resolver o problema. O problema foi se acumulando ao longo do tempo e chegou a uma situação que eu diria, hoje, de difícil solução.        

 

 Vimos recentemente bandido saindo pela porta da frente dos presídios, mesmo com mandado de prisão. isso mostra o grau de inadequação desse sistema?

               Mostra o grau de corrupção do sistema, como aconteceu recentemente no Rio de Janeiro e mesmo na Bahia, quando grandes lideranças criminosas, quando criminosos de notória periculosidade, são liberados por supostos erros, seja da administração prisional ou da administração judicial. Na verdade, os erros existem, mas eles não são culposos, eles são geralmente dolosos. Esses erros geralmente envolvem corrupção, seja corrupção de policiais, seja corrupção de juízes, seja corrupção de funcionários do Judiciário, seja corrupção de funcionários do sistema prisional, de policiais penais. Os erros não acontecem casualmente. Infelizmente, não se pode mais dizer que os erros e esses equívocos por desarticulação ocorrem por mal funcionamento do aparato estatal. Eles envolvem, infelizmente, grandes somas de dinheiro, geralmente oferecidas por advogados desses criminosos, que funcionam como intermediários junto aos corruptos. O fenômeno é grave, infelizmente, é muito grave, em maior ou menor grau em todo o território nacional.     

 

Mesmo nas prisões o crime organizado age de dentro para fora. como resolver isso?

               Na verdade, o crime organizado no Brasil surgiu dentro das prisões. É uma realidade um pouco diferente de outros países, como a Itália, por exemplo. As máfias italianas não têm origem dentro das prisões. No caso do Brasil e de outros países latino-americanos, o crime organizado, como as facções do tráfico de drogas, surgiu dentro da prisão porque as prisões, historicamente, são mal administradas. E o investimento público é pequeno, a qualidade das assistências aos presos é sempre ruim, a violência é sempre muito grande. A corrupção é muito grande. Num contexto assim, onde as prisões funcionam com essas características, a articulação dos presos em torno de grupos de autoproteção, funciona como um mecanismo de sobrevivência. Foi assim que surgiu o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro. Foi assim que surgiu o PCC, em São Paulo. Foi assim que surgiram as outras 50 facções do crime organizado que existem no Brasil.

              Nós estamos pagando o preço de uma história de abandono do sistema prisional. De maneira geral, os políticos e a própria população brasileira, têm participação. Ela nunca levou a sério ou nunca pressionou os políticos para investir mais no sistema prisional, para dar mais dignidade e civilidade ao cumprimento da pena de prisão no Brasil. Infelizmente os políticos, de maneira geral, as lideranças das elites brasileiras e a população, infelizmente, em boa parte, acreditam que bandido bom é bandido morto e que você não pode dar vida boa para preso na prisão. Isso é histórico no Brasil, infelizmente. E agora estamos pagando o preço disso. Quanto mais abandonamos o sistema prisional e o fizemos, historicamente, criamos um grande problema. Um grande, mais um grande cancro. Um ganho de câncer, que é o crime organizado, e agora não estamos sabendo como lidar com isso. Agora é tarde. Porque esse crime organizado já não está só dentro das prisões. Está fora das prisões.

 

Essa facilitação vem, inclusive do próprio exército, quando acontece o roubo de armas de longo alcance, armas potentes?

               Nem o Exército, nem as Forças Armadas Brasil têm controle da corrupção dos seus quadros. Nós estamos falando de corrupção. Vamos lembrar que há pouco tempo, um alto oficial da Força Aérea foi preso traficando cocaína para a Europa, usando avião oficial. A situação é grave. A corrupção contamina as várias instituições públicas no Brasil. Nesse sentido do crime organizado que eu estou falando, não é corrupção das licitações, é a corrupção do crime organizado, a contaminação do crime organizado atinge essas várias instituições. Nós temos que ter um esforço, das pessoas de bem do Estado para se articularem para lidar com essas bandas podres, que contaminam o Estado, as várias instituições do poder público no país.

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