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Advogado especialista em direito digital fala sobre ética e diz que big techs com escritórios no Brasil têm que se submeter às leis do país
A internet é terra de ninguém? O assunto ganhou destaque nos últimos dias após o empresário Elon Musk decidir atacar a Justiça brasileira e chamar o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, de ditador brutal. A polêmica em torno das mídias digitais e das chamadas big techs, como Google e X(ex-Twitter), não é de hoje.
O advogado Alexandre Atheniense, especialista no assunto e que há 37 anos atua nessa área, foi um dos primeiros a trabalhar com o direito digital, com curso de especialização em Havard para entender esse grande dilema mundial: os limites éticos da liberdade de expressão.
Existem limites para a internet?
Eu fiz um curso de especialização em 2011, em Harvard e, desde então, os professores falavam que o grande cenário de debate mundial que temos, e que vem desde aquela época, é de um lado as big techs e de outro lado os países, os governos, os Estados. É porque as big techs querem passar um recado dizendo o seguinte: “olha, o país pode ser Brasil, pode ser qualquer outro e eu vou fazer de tudo para poder não cumprir ordem judicial, cumprir a legislação. Se eu quiser, depois de muito tempo, depois de procrastinar, eu vou ver se eu cumpro”. Hoje, a linha de pensamento deles é essa. Ou seja, é uma linha essencialmente norte-americana na forma de pensar. Eu estudei lá, então eu sei como é que é isso.
O conceito de liberdade de expressão nos Estados Unidos é muito mais amplo, muito mais dilatado do que no Brasil. O norte-americano diz assim “aqui no nosso país, a gente responde palavras com palavras”. Quer dizer, isso não funciona dentro do nosso contexto legal brasileiro. Aqui, se uma pessoa resolve fazer fake news, resolve ofender a outra, isso não é considerado liberdade de expressão. E o que estamos vendo agora, com esse episódio, é justamente esse desafio. Ou seja, de um lado o Supremo dizendo: “no nosso país temos uma legislação, a qual estamos interpretando, e que há uma violação por parte do X, que é o antigo Twitter, de querer não cumprir ordens judiciais.
Mas houve um ataque direto ao ministro Alexandre de Moraes.
Exato, ficou muito pessoal a discussão do assunto. Você tem de um lado o Elon Musk dizendo; “olha, é, eu comprei o Twitter, só que minha linha de pensamento e a de transformar o Twitter, em uma ágora, uma praça que existia na Grécia antiga, que qualquer pessoa podia chegar lá e falar o que quisesse”.
Do outro lado você tem o governo brasileiro, representado pelo Judiciário, dizendo que não é assim, aqui no Brasil, para manter o serviço ativo, eles têm que respeitar a nossa soberania, a nossa jurisdição. Eles têm que se sujeitar as leis brasileiras. E aí nesse confronto sobe a temperatura e o Elon Musk tem dado declarações usando uma adjetivação pesada, como quando ele chama Alexandre de Moraes de ditador brutal. Chegou ao ponto, inclusive, em que ele estava ensinando os brasileiros, em um tutorial, que mostra como ter acesso a conteúdos de outros países com acessos vedados para o Brasil e usar o recurso para poder driblar essa barreira. Ele está sugerindo, que se houver o bloqueio do X no Brasil, se for usado esses recursos, é possível acessar as contas dessas pessoas que foram censuradas e que hoje estão com a conta nos Estados Unidos, por exemplo, e lá a legislação brasileira, a priori, não alcança.
Mas isso aí não é uma verdade absoluta, porque desde junho de 2014 nós aprovamos o Marco Civil da internet e ele é muito claro ao interpretar a situação da seguinte maneira: mesmo que uma empresa tenha sede no exterior, se ela tem um escritório de representação do Brasil, que é o caso do X, o escritório do Brasil é obrigado a respeitar a legislação brasileira. Então, não importa falar que a sede dele está em San Francisco, na Califórnia. Se ele tem um escritório de representação no Brasil, o escritório daqui é obrigado a cumprir as normas e o de lá, de São Francisco, não pode agir em contrário
O grupo Bolsonarista, por exemplo, endossou o discurso de Musk. O Brasil vive uma ditadura imposta pelo supremo?
Eu acho que tem situações que não são bem esclarecidas porque, direito à liberdade de expressão é um direito garantido na nossa Constituição. Agora, direito a usar pretensamente do pretexto de liberdade de expressão e dali começar a fabricar fake News, desinformação é outra coisa. O Brasil não é igual aos Estados Unidos em termos de liberdade de expressão, não é. Elon Musk pensa na cabeça norte-americana.
Na Constituição norte-americana, no artigo primeiro, que aborda sobre liberdade de expressão, o conceito é absolutamente amplo. Então o que para eles, Estados Unidos, é considerado liberdade de expressão aqui no Brasil, não é. E aí o que acontece? Os bolsonaristas que defendem o ELO Musk defendem em que sentido? Está tendo censura da internet, isso não pode acontecer.
A internet tem que falar o que quiser e isso não é assegurado na legislação brasileira. Você pode falar o que você quiser, mas não pode ofender, você não pode praticar desinformação. O que Donald Trump fez nos Estados Unidos e que o Bolsonaro copiou e deu certo na primeira eleição, foi plantar desinformação. Ele sempre defendeu a liberdade de expressão como sendo uma forma ampla, geral e irrestrita e que, consequentemente, não haveria, em hipótese alguma, um de poder para cerceá-la nos casos de excessos de liberdade de expressão. Temos liberdade de expressão? Temos, mas também temos limites.
E os limites são ultrapassados de que forma?
De duas formas. Uma quando o discurso é ofensivo. Segunda, quando o discurso é falso, planta desinformação. Todas as vezes que alguém chega na internet e propositadamente ofende ou planta desinformação, não há que se falar em liberdade de expressão. Isso é excesso. E os bolsonaristas defendem essa forma porque deu muito certo a estratégia deles nesse sentido em 2018, quando o TSE ainda não estava maduro o suficiente para entender o que estava acontecendo, em termos de estratégia que eles utilizaram.
O WhatsApp foi o palco dessas divulgações e a linguagem que foi utilizada. Foi uma enxurrada de desinformações. Ele fez uma rede enorme de repassadores. Não posso dizer que foi por isso que ele ganhou a eleição, mas que ajudou muito. Ajudou porque do outro lado, do PT, não tinha. Não tinha nada de articulação em relação a esse tipo de estratégia. E agora nós estamos em 2024. Em 2024, no mundo digital, o que que acontece de diferente? A inteligência artificial. Então nesta situação o risco ou o dano da desinformação é potencializado.
A justiça eleitoral está preparada para isso?
O ministro Alexandre de Moraes conseguiu publicar uma legislação no Brasil na área eleitoral inédita no mundo. O Brasil teve a primeira legislação no mundo que regulamentou o uso da inteligência artificial nas campanhas eleitorais. O que significa isso na prática? É que se um candidato utilizar, durante a campanha eleitoral, recursos de inteligência artificial não declarada, ao mesmo tempo, para plantar desinformação, ele vai ter o mandato cassado, é punição. Não tem nenhum outro país do mundo que fez isso. O nosso primeiro. Mas só vale para o aspecto eleitoral.
Há um temor de que a inteligência artificial seja usada durante o processo eleitoral com uso irregular das imagens. isso pode levar as pessoas a terem que provar que não são elas que estão aparecendo em Fake News?
Sim, com certeza. Lidamos diariamente com isso e sabemos o seguinte: que primeiro, é importante monitorar tudo, porque quanto mais rápido for a resposta, quando houver um ataque dessa natureza, e quanto mais assertiva for essa resposta no mesmo canal onde houve o ataque, você consegue desconstruir mais rápido essa versão falsa.
O que não pode é uma versão dessa ser plantada e a vítima ficar quieta, ficar parada. Pelo contrário, acho que ela tem que agir rápido e de forma assertiva para poder, em menos de 24 horas, desconstruir essa versão. Porque se o assunto viralizar, aí fica pior.
A Justiça Eleitoral, difere das outras Justiças que temos no Brasil, por ser extremamente célere. Ela é uma Justiça que quando fixa uma penalidade qualquer, ela fixa para um provedor como o Meta, Google e outros, para cumprir em horas. Então lembro que na eleição passada, o ministro Alexandre Moraes, vendo que estava acontecendo muita desinformação, muito fake News no YouTube na véspera da eleição, e o YouTube era um dos sites mais difícil de você remover conteúdos, ele chegou a fixar multa de R$100 mil por hora, se não fosse cumprido imediatamente. A decisão tem que ser cumprida em horas.